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Ainda que com um certo descompasso com a data de inauguração da exposição do acervo do museu de meu pai, porém em sintonia com os acontecimentos que vêm deixando a população brasileira atônita e meio anestesiada, venho aproveitar deste espaço para lembrar do legado do meu pai ao seu país. Ou melhor, do que ele gostaria de ter legado.

Fiel à doutrina de Augusto Comte que dizia que "os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos", meu pai fundou o Museu David Carneiro em 1941, tendo como objetivo primordial transmitir à geração presente os ensinamentos que os grandes homens do passado haviam deixado.

Diga-se de passagem, uma das características do caráter de meu pai, e que o levou a ser admirado por quantos o conheceram, foi sua coerência. Aliás, sua teimosa coerência, a vida toda e em todos os aspectos de sua biografia.

Então, com os acontecimentos brasileiros deste último ano fico pensando nos rígidos padrões morais de meu pai e na ausência de coerência dos nossos supostos líderes.

Meu pai, lá pelos anos 60, escreveu um livro chamado "Elites, lideranças e massas" (Imprensa da Universidade do Paraná). Nele ele apresenta definições de "elite" dada por diferentes dicionários e ele mesmo procura aprofundar o seu conceito. Palavra francesa que significa "escolha", ou seja, "separação dos melhores", dos portadores de qualidades mais sólidas, quer do ponto de vista de inteligência, moral ou de "vontade" (determinação em fazer o bem para a sociedade). Pessoas dispostas a lutar pelos seus valores. Mais adiante, ele afirma que o que deve caracterizar uma elite deve ser, sempre, o seu objetivo altruísta e não o triunfar sem reparar meios.

De uns tempos para cá, no entanto, o que se vê são pessoas que, por possuírem fortunas (muitas vezes acumuladas não se sabe bem como) ou por ocuparem postos políticos importantes, são confundidas com "elite".

Daí a dúvida que paira no ar quando o presidente Lula joga culpas contra um vago "as elites". Serão os intelectuais? Serão os artistas? Serão os milionários banqueiros (tão beneficiados, diga-se de passagem, pelo seu governo)?

No meu tempo de criança, pessoas sobre quem pairasse a menor dúvida sobre o caráter, quer como ladrão, quer mostrando ignorância por pura falta de esforço intelectual, eram vistas com maus olhos e imediatamente colocadas no ostracismo. Tirar do trabalho árduo o seu sustento era regra fundamental. Ser patriota, lutar pela melhoria do Brasil, condição sine qua non... Mulheres que não tivessem a preocupação com economia doméstica e não mostrassem disposição em trabalhar pesado por esse objetivo, também eram vistas com maus olhos. Ser econômico também era visto como uma virtude. Nunca o ter dinheiro. Resumindo – simplicidade, hábitos puros. Ou seja, pertencer a uma elite era bom e não vergonhoso, como querem nos convencer e até fazer com que nos sintamos culpados. Aliás, ainda é, como prova a rejeição que a população vem mostrando aos políticos corruptos.

Condutas pessoais e atitudes governamentais se confundem, na medida em que estas são oriundas de seres humanos também. Então, como não se aceitam pessoas individualmente perdulárias, governos com essa característica também não podem dar certo. Não há história de sucesso, quer pessoal, quer governamental quando se é esbanjador e descontrolado. Brinquedinhos caros como o "aero Lula" não são valorizados pelas verdadeiras elites. Saber gastar, eis a questão! No caso do governo atual, o investimento público se tornou pequeno (apenas 20% do PIB) porque é esbanjado com gastos pessoais e com custeios.

Sob esses padrões de comportamento, considero-me parte da elite e até entendo que o presidente se refira às elites que não o querem mais como líder desta maravilhosa nação brasileira. De fato, pelos padrões de meu pai, o presidente Lula e o PT não só não fariam parte da elite, como também não seriam aceitos por ela. Elites com os padrões cristãos e positivistas também querem um governo que dê saúde decente, escolas de alto nível, saneamento, transporte bom e barato. Até por uma questão de sobrevivência, pois anda cansada com a violência gerada pela ausência governamental nessas áreas.

O que se vê atualmente no Brasil é a banalização de padrões morais condenáveis, graças às declarações do presidente Lula de que "corrupção todo mundo faz" ou de atores como Paulo Betty dizendo que política só se faz pondo a mão na m..."

Enquanto meu pai dedicou uma vida tentando transmitir valores morais que os grandes homens do passado nos legaram, através de seu comportamento e do seu museu, que as escolas ensinam e que inúmeras obras literárias consagraram, o presidente Lula em apenas quatro anos de governo ensinou o deboche e o cinismo.

Só nos resta fazer esforços pessoais, rezar e desejar que cada um dê a sua parte para que sobrevivam os valores do que se chama com desdém a "zelite"...

Marília Beatriz Lacerda Carneiro é filha do saudoso historiador David Carneiro, por muitos anos colaborador da Gazeta do Povo.

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