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Sempre se soube que a Assembleia não era, digamos, muito atenta às melhores práticas de administração pública, mas o que vem surgindo das investigações da Gazeta do Povo e da RPC TV superam as previsões mais pessimistas

Os escândalos da Assembleia já deixaram de ser um problema administrativo há muito tempo e se transformaram em um caso de polícia puro e simples. Há indícios mais do que gritantes de que, muito mais que um caso de absoluto e irrestrito descontrole burocrático, o que aconteceu foi uma série de crimes, em que pessoas simples foram usadas como laranjas, defuntos receberam salários, atos que a Constituição exige que sejam públicos foram praticados secretamente, contas bancárias foram abertas fraudulentamente, e por aí afora.

Mas o estrago não para aí e ameaça levar de roldão outras instituições vitais no aparelho estatal. O primeiro candidato a vítima é o Tribunal de Contas, pois é inacreditável que o rosário de irregularidades, que vão desde a sistemática ocultação de atos oficiais até a fraude pura e simples em pagamentos feitos a supostos funcionários, tenha passado absolutamente impune durante vários anos. No mínimo, isso evidencia que os processos de fiscalização do TC são essencialmente voltados para a perfeição documental e formalística. O mesmo TC que age implacavelmente contra alguns administradores públicos quando suspeita, mesmo que vagamente, de irregularidades no uso dos recursos, é flagrado assistindo passivamente ao que aconteceu nas suas barbas sem tugir nem mugir.

A outra vítima potencial é o Ministério Público, que tambérm tem demonstrado infinita paciência com o que aconteceu, ao ponto de deixar toda a documentação que pode ser essencial para a apuração dos fatos sob a guarda, exatamente, dos que podem estar envolvidos nas irregularidades. Da mesma forma que o TC, o Ministério Público tem dado demonstrações de poder institucional que frequentemente beiram a arrogância, sempre pronto a impugnar, contestar, denunciar e obstar os atos e políticas que pareçam aos seus membros lesivos ao Estado. Já no caso atual, a mesma assertividade tem estado conspicuamente ausente, a não ser em manifestações isoladas de procuradores dissidentes.

No rol das possíveis vítimas, está ainda o Banco Central do Brasil, extremamente cioso do cumprimento das regras e da legislação bancária e financeira nos seus mínimos detalhes. Sob suas barbas, foram abertas e movimentadas contas correntes que têm fortes indícios de fraude, segundo o próprio banco que as abriu. Era de se esperar uma ação imediata, radical, que permitisse a elucidação cabal desse tipo de situação, mas, por enquanto, tudo indica que a tal apuração segue os modorrentos ritos burocráticos, como se tratasse simplesmente de um pecadilho administrativo qualquer como esquecer de abrir a agência exatamente na hora determinada ou coisa do gênero.

Isso tudo é extremamente preocupador. Sempre se soube que a Assembleia não era, digamos, muito atenta às melhores práticas de administração pública, mas o que vem surgindo das investigações da Gazeta do Povo e da RPC TV superam as previsões mais pessimistas. Chegamos ao ponto de não-retorno. Ou a própria Assembleia, o Tribunal de Contas, o Ministério Público e agora o Banco Central se dedicam com todo vigor à investigação do que aconteceu e dão respostas rápidas à perplexidade geral, ou serão levados de cambulhada no processo de completa desmoralização que está ameaçando as instituições públicas em nosso estado. Não é um recadastramento de funcionários, o ato burocrático de recontar servidores que terá o dom de passar uma borracha em tudo o que, aparentemente, aconteceu.

Por outro lado, é sintomática a maneira pela qual alguns parlamentares e líderes partidários estão se comportando nessa crise toda: cheio de dedos e pisando em ovos para tratar do assunto. Parece a velha anedota a respeito da maneira pela qual os porcos-espinho fazem amor com as porcas-espinho: com muito, muito cuidado.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor de Administração da PUCPR.

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