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Não se pode julgar uma biografia por uma ou outra de­­ci­­são equivocada, sem lembrar seus acertos

Quando George Santayana cunhou a frase famosa "quem esquece o passado está condenado a repeti-lo no futuro", não deve ter imaginado que, para alguns, ela se traduziria na obsessão de ficar esquadrinhando o passado em busca de vilões e culpados de tudo aquilo que consideram ser os nossos males. Daí a grudar os olhos no retrovisor da história em vez de olhar a estrada à frente é um passo.

Lamentavelmente, essa obsessão em interpretar e reinterpretar o passado acaba por dominar todo o espírito dessas pessoas. Na educação brasileira, a pedagogia da opressão e dos coitadinhos é amplamente dominante e a mensagem é simples: você, pobre coitadinho, foi explorado pelo capitalismo selvagem e pelas elites durante séculos e agora estamos aqui para lembrar-lhe todas as injúrias que sofreu. Sem esse processo de autoexpiação, você nunca será um cidadão. Em compensação, se o realizar, pouco ou nada mais é necessário, nem mesmo saber ler e escrever decentemente (atualmente, privilégio de uma minoria como atesta o Inep). O mesmo acontece com as questões da raça ou com muitas outras, em que a constante repetição dos pecados de nossos ancestrais e dos nossos próprios parece ser para essas pessoas a única maneira de superá-los.

As campanhas eleitorais, tanto a nacional quanto a paranaense, que começaram com promessas solenes dos candidatos de se concentrar em teses e propostas para o futuro, já escorregaram para a velha e manjada fulanização, a tentativa de transformar o processo político numa simples busca de mocinhos e bandidos. A classificação é fácil: quem está do nosso lado é mocinho, quem está ou esteve contra é bandido... E aí, vem a safra de dossiês, o requentamento de velhas mágoas e a renovação de antigas denúncias, como se a política consistisse em transformar-nos – nós, a população – em eternos reféns do passado.

Na eleição atual, os suspeitos habituais já foram ressuscitados: a privatização das estatais e os governos passados de Fernando Henrique Cardoso e Jaime Lerner. Não vem ao caso que, no tempo da Telebrás, telefones fossem um bem de capital, cujo aluguel era uma fonte de renda importante para a ínfima parcela da população que tinha acesso a eles e que agora existam mais de 160 milhões de linhas telefônicas no país e 25 milhões de domicílios com serviços de internet. Também não vem ao caso que a maioria das empresas privatizadas estivesse virtualmente quebrada, como a Embraer, que já havia demitido dois terços de seu pessoal e as ferrovias que sobreviviam agarradas às tetas generosas dos governos; nem que a maioria das empresas privatizadas nunca tivesse pago um tostão de dividendos nem de impostos quando eram públicas. Para a turma do retrovisor, a privatização das estatais foi um crime, uma vergonha una, indivisível, inapelável.

Cada vez que esse assunto vem à tona, volta à discussão a tentativa de privatização da Copel e a venda do Banestado. Falo de boca cheia sobre esse assunto, pois basta uma busca aos jornais da época para constatar que fui um adversário público precoce da venda do controle da Copel e um crítico da estratégia adotada para a venda do Banestado, mas considero essa tentativa de demonizar o governo de Jaime Lerner (que não é candidato a nada) por isso, uma manobra eleitoral desprezível. Não se pode julgar uma biografia por uma ou outra decisão equivocada, sem lembrar seus acertos. Como não se pode julgar o governo de Fernando Henrique Cardoso por alguns de seus erros, pois foi em seu governo que a inflação foi derrotada. (Parêntese: vamos parar com essa tolice ranheta de atribuir a Itamar Franco os méritos pela criação do Plano Real, pois a sua paternidade foi apenas nominal). O que foi feito antes do governo Lula ajudou tremendamente a pavimentar o caminho para o sucesso do governo dele como, aliás, reconhecem os petistas mais lúcidos e menos grudados no retrovisor da história.

P.S. Na terça, dia 17, Aroldo Murá lança o terceiro volume do livro Vozes do Paraná. No extremo oposto da revisão raivosa de nossa história, o livro traça o perfil e a trajetória de dezenas de paranaenses natos e de adoção, que não tiveram tempo para ficar com os olhos fixos no retrovisor, pois tinham mais o que fazer de suas vidas.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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