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Os tempos sombrios da União Europeia não cessam de gerar desatinos. Campeã do protecionismo na agricultura, Bruxelas vai agora à OMC contra o protecionismo da indústria brasileira, a lembrar do velho adágio acerca de falar de corda em casa de enforcado. Não fora gesto inútil, diante da vasta matéria de defesa do Brasil, a iniciativa também é inoportuna, em face das negociações União Europeia-Mercosul que se desenrolam, em que o gargalo é a Política Agrícola Comunitária, com seus subsídios ilegais e imorais. Afinal, trata-se do maior bloco do mundo a solapar a possibilidade de desenvolvimento de países periféricos, que nada têm a oferecer senão commodities.

O pano de fundo dos desencontros que têm afligido a União Europeia parece residir na crise de modelo, com a supranacionalidade francamente posta em xeque. Estaria a Europa paralisada em sua hipertrofia geográfica e institucional? Enquanto voltam à tona questões essenciais dos debates europeístas dos primeiros tempos – se seria possível união, diante de brutais desigualdades e arraigados nacionalismos –, a onda eurocética se dissemina e preocupa.

Nos últimos tempos, muitos acontecimentos denunciam a necessidade de um relançamento europeu, em que a busca de excepcionais estadistas como nos velhos tempos parece tarefa tão urgente quanto inútil. Os britânicos, aturdidos pela nova livre circulação que passa a valer em janeiro, fizeram campanha publicitária insólita: romenos, não venham, pois aqui chove muito e não há trabalho. Eis a resposta da Romênia ofendida, em outra campanha: britânicos, venham, pois aqui a cerveja é gelada e todas as mulheres se parecem com a Kate Middleton.

Enquanto inconciliáveis diferenças afloram, salta aos olhos a evidência de que povos diferentes não podem viver sob regras comuns. A ética protestante dos céus cinzentos de Berlin decerto não se coaduna com o ensolarado hedonismo mediterrâneo, com outra visão acerca do trabalho. Não é por acaso que as economias problemáticas são aquelas meridionais – além da Irlanda, que não parece britânica. Nesses países, a gestão caótica do sistema bancário e a recorrente irresponsabilidade fiscal de governantes inebriados pela certeza de fundos comunitários resistiu apenas por algum tempo.

Enquanto a recessão ganha as ruas, com o desemprego e o sacrifício de direitos sociais e trabalhistas, as regras de austeridade são crescentes pesadelos. Como recente alívio, a Justiça portuguesa acaba de rebelar-se, a sentenciar que razões financeiras não prevalecem sobre princípios constitucionais, como a confiança pública. Com isso, preservam-se direitos adquiridos de aposentados, depois do vendaval de impostos, cortes de vencimentos, demissões e perdas de vantagens como o 13.º salário. Claro que a crise se faz sentir de forma dramática no empobrecimento generalizado, na perda patrimonial e no alarmante desemprego.

Com a personalização da odiosa austeridade em Angela Merkel, os europeus sacrificados e perplexos passam a execrar também a troika, como são denominadas as instituições que impõem as políticas para salvar o euro: a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Curioso, porque "troika" foi, na origem, o comissariado que na Revolução Russa governou a ditadura comunista, contra o capitalismo e a propriedade privada. Curioso e bem a propósito, pois, depois do muro, é afinal o capitalismo à europeia que esta conseguindo realizar a grande quimera marxista: expropriar e tolher o patrimônio das pessoas.

Jorge Fontoura, doutor em Direito, é membro do Tribunal Permanente do Mercosul.

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