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A sede por commodities da China é benéfica para o Brasil, mas temos de saber nos relacionar com eles

Se não conseguir redefinir as ambíguas relações com a China, o Brasil corre o risco de ver sua inserção no mundo definida pelos chineses e subordinada a prioridades que não são as nossas.

Ao se transformar no maior mercado brasileiro em 2009, a China alterou um predomínio americano que durava pelo menos 150 anos. São raros na vida dos países esses momentos de substituição do eixo de dependência econômica.

A última vez foi em 1905 quando o barão do Rio Branco transformava em embaixada nossa representação em Washington e deslocava o eixo da diplomacia de Londres para a capital norte-americana. Ele refletia assim o fim da preponderância britânica, iniciada com a vinda de dom João VI e da Independência.

Em texto da época, dizia o barão: "A verdade é que só havia grandes potências na Europa e, hoje, elas são as primeiras a reconhecer que há no Novo Mundo uma grande e poderosa nação com quem contar". Tirando as lições dessa realidade, o ministro construiu, com a ajuda de Joaquim Nabuco, nosso embaixador nos Estados Unidos, uma relação inédita com Washington.

Embora desigual, a relação fornecia ao Brasil proteção contra o imperialismo europeu, apoio nos problemas com os vizinhos e investimentos para a nascente indústria. A "aliança não escrita" constituiria o paradigma central da diplomacia brasileira por décadas, até a contestação pela Política Externa Independente a partir de Jânio Quadros.

São óbvias as diferenças entre o despontar dos EUA e a emergência da China. Com os americanos, partilhamos o mesmo continente, passado colonial análogo, valores e aspirações semelhantes.

Da China, quase tudo nos separa, desde a distância geográfica até os problemas de segurança estratégica, passando pelo terreno dos valores em democracia e direitos humanos.

Não obstante, há entre os dois episódios um ponto comum: a crescente importância do mercado chinês (como foi o americano um século atrás) como única área de expansão significativa das exportações brasileiras. O fenômeno é ambíguo, pois ao valorizar as cotações das commodities e atenuar o declínio das exportações brasileiras, o mercado chinês contribui para empurrar cada vez mais o Brasil de volta a uma pauta dominada pelos produtos primários.

Sem esquecer a impiedosa ação chinesa para roubar-nos setores em que fomos competitivos (como no caso da contratação dos técnicos da indústria calçadista) e substituir-nos nos mercados para os quais exportávamos manufaturas, inclusive na América Latina e em nossa própria casa.

Rio Branco não se resignou à passividade diante de uma tendência da história. Tomou a iniciativa e logrou redefinir e dar conteúdo novo à relação com os EUA. Até agora, nossa relação com a China é de mão única. Seja para ajudar-nos ou causar-nos danos, os impulsos vêm sempre da demanda chinesa, fator que impõe a agenda sem muita contribuição de nossa parte.

O principal desafio diplomático do novo governo será redefinir e ampliar essa agenda, torná-la menos assimétrica e passiva, equilibrar o comércio com investimentos na integração de cadeias produtivas. Sem isso, a demanda chinesa por commodities é que vai plasmar nosso futuro.

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