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Mesmo sabendo que a classe política jamais recebeu o famigerado salário mínino para exercer suas funções, é indecente imaginar que os salários que o Estado retira dos impostos da nação para remunerar os políticos profissionais sirvam-lhes como justificativa para a obtenção de fortunas pessoais.

Então, como explicar a existência de fatos recorrentes que ocupam o noticiário da mídia e testemunham o enriquecimento impune de setores da classe política? A descrença social nos partidos políticos e a ira coletiva em relação aos profissionais da política estão, em grande parte, vinculadas a dois fatores: ausência de debates ideológicos que, em tese, confere legitimidade à existência dos partidos políticos e; influência do poder privado no financiamento das campanhas eleitorais.

Com exceção da vigência dos partidos políticos históricos, a ausência de identidade ideológica entre a maioria das agremiações políticas e os eleitores transforma o processo político refém da indústria do marketing e deixa de lado as questões relevantes que justificam a existência ideológica dos partidos. Essa tendência de inversão de valores aniquila a importância programática dos partidos e vê expandir o poder midiático dos coronéis urbanos. Essas circunstâncias ampliam o ceticismo popular a respeito da importância ideológica dos partidos e da existência dos profissionais da política.

O segundo fator que potencializa a desconfiança e alimenta a corrupção desenfreada na política diz respeito ao financiamento privado das campanhas eleitorais. A necessidade de buscar recursos privados para financiar os candidatos, acrescida dos altos custos exigidos na disputa dos pleitos eleitorais, torna o campo político refém das ingerências do poder econômico privado. Esse tipo de relação promíscua aprofunda as portas da corrupção ao opor interesses irreconciliáveis: o compromisso do político eleito de devolver o dinheiro que recebeu do setor privado e o dever que obriga o primeiro, na qualidade de homem público, a agir em defesa e proteção dos interesses coletivos do Estado.

A ausência de confiança e a ira popular em relação à representação política sinalizam a urgência do debate e aprovação de uma reforma política que, dentre outras propostas, contemple a fidelidade partidária, o voto distrital misto e o financiamento público das campanhas eleitorais. Fora isso, é indispensável salientar que homem público encontra-se preso a outras exigências. O que motiva alguém escolher e dedicar uma vida à causa política não é, tal como ocorre na atividade econômica privada, a busca pela acumulação material de riqueza. Quem se propõe a entrar e viver da política se dispõe a cultivar outra escala de valores. O sentido de vitória e de dever cumprido na política está subordinado à capacidade efetiva que político profissional, filiado a seu respectivo partido, possui para fazer triunfar seu programa de governo em determinada situação histórica.

Na arena política, o prestígio pessoal e o reconhecimento público exigem que o detentor de mandato parlamentar seja fiel a uma visão de mundo e esteja habilitado a decidir e pôr em prática um conjunto de ações políticas destinadas a transformar o destino atual e futuro da comunidade ou do país. Por isso quem se dispõe a viver da política precisa estar convicto de que os afazeres exigidos no trato da coisa pública adquirem conotação e interesse genuinamente coletivos. O trabalho e a recompensa das autoridades legitimadas pelo crivo das urnas são, por definição, avessos às possibilidades de enriquecimento econômico pessoal.

Cezar Bueno, doutor em Sociologia, é professor da PUCPR

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