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O vice-presidente Hamilton Mourão e Jair Bolsonaro: apoio público ao presidente da República.
O vice-presidente Hamilton Mourão e Jair Bolsonaro: apoio público ao presidente da República.| Foto: Divulgação/VPR

Há um golpe parlamentar em andamento? Jair Bolsonaro cansou? Há algum tempo Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, respectivamente presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, ambos quadros do Democratas, ensaiam, com a legitimidade de votações que, somadas, resultam em pouco menos de 200 mil votos, diferentes formas de controlar e minar a presidência de Jair Bolsonaro. Ambos os presidentes do Legislativo federal criticam abertamente ministros, impõem nomes e, publicamente, pedem exonerações, além de postergar e solapar publicamente inúmeras reformas e medidas propostas pelo Executivo, as quais contam com a legitimidade de 57 milhões de eleitores tupiniquins. Não obstante, tal processo encontra ressonância e chancela de togados do STF, como Gilmar Mendes e o decano Celso de Mello.

Obviamente, a ideia de Maia e Alcolumbre não é fomentar outro impeachment. São, ambos, movidos pela insaciável sede de poder e pela incapacidade de obtê-lo eleitoralmente. Chantageiam a Presidência com a imposição de pautas ou seu trancamento, além de implodir os limites constitucionais de sua atuação, sempre amparados pelas canetas do Judiciário. A eleição de Bolsonaro tornou evidentes os sintomas de uma terminal enfermidade do poder público brasileiro: a falência institucional. O presidencialismo de coalizão, mazela já nociva, não mais vigora. Brasília é, hoje, uma diagnose translúcida da bancarrota política dos processos fundados em 1988. O achincalhe público, togado e parlamentar, é institucionalizado e constitucional. Não se trata, todavia, de uma constatação recente. José Sarney, com o fim dos trabalhos da Constituinte, alertou que o documento resultante tornaria o país ingovernável, como hoje o é – vale ressaltar que, como um legítimo Sarney, utilizou a governabilidade para ampliar em um ano seu mandato. Saulo Ramos, ministro da Justiça de Sarney, detalhou com precisão as mazelas que a Carta Magna abriria na saúde da política nacional. O deputado federal Luiz Phillipe de Orleans e Bragança também esmiuçou primorosamente a questão em seu livro Por que o Brasil é um país atrasado? – o que fazer para entrarmos de vez no século XXI.

Logo, a sobrevivência de Jair Bolsonaro no Planalto, pós-infodemia Covid-19, está condicionada a fatores imponderáveis, como a recuperação salutar da economia global e a eficácia das medidas públicas federais na contenção do vírus e no restabelecimento funcional do cotidiano do país. Politicamente, todavia, há certa previsibilidade. O presidente conta com um elevado piso de eleitores fiéis, defensores convictos de seus propósitos e do projeto que elegeram, independentemente das sequelas do coronavírus. O impasse político, entretanto, permanecerá o mesmo, se não mais exaltado, o que faz dos projetos governamentais ainda mais penosos nos seus trâmites legislativos.

Ao confiar as duas casas ao DEM, Bolsonaro esperou um comportamento diferente de outras legendas que já as comandaram, ainda mais por tratar-se de um partido da base governamental. Evidentemente, o resultado não é o esperado. O Democratas está em baixa no governo federal, muito por conta da escora que Rodrigo Garcia, vice-governador de São Paulo, dá ao mais hipócrita e histriônico difamador do bolsonarismo: João Ralph Dória Lauren (PSDB-Paris). A alternativa mais palpável, institucionalmente, para a governabilidade efetiva do país significa, em um elevado porcentual, abdicar de parte relevante de seu controle. Apelar ao MDB, objetivamente. Apoiar Osmar Terra e Renan Calheiros para a presidência de suas casas legislativas. Em troca de alguma governabilidade, perde-se o controle de alguns ministérios e cargos de confiança. Finalmente, colocar na primeira discagem rápida do celular presidencial o presidente nacional do MDB e autor da reforma tributária: Baleia Rossi.

A Constituição de 88, acéfala em sua concepção, criou problemas em excesso desde sua vigência. Agravou crises, alongando-as. Agora, sob o amparo do documento alcunhado de Cidadão, togados do Supremo agem nas sombras para fazer vigorar seus obscuros interesses, nos quais não há qualquer interesse pelo bem comum, apenas o desejo por mais poder, dinheiro, privilégios e proteção. Em suas práticas, o DEM não se mostrou, em momento algum, diferente de outros partidos que compõem a massa amorfa do establishment sanguessuga do colosso que o brasileiro chama de Estado. Vale ressaltar: Juscelino Kubitschek fundou a capital tupiniquim aos moldes stalinistas, planejadamente distante do eleitor. Uma cidade toda funcionando em função de atividades políticas e burocráticas, distante da população que a mantém.

Enquanto o erário é assaltado, incontáveis municípios sofrem para fornecer os mais básicos serviços publicamente obrigatórios, pois sua arrecadação não condiz com o orçamento regular dedicado pelo governo federal às cidades. Bolsonaro jamais esbanjou brilhantismo intelectual, mas soube, ao montar sua equipe, escolher pessoas que transbordam capacidade técnica em seus campos de atuação. Moro, Guedes, Pontes, Salles, general Augusto Heleno, Damares Alves, Tereza Cristina, Filipe Martins etc. Então, qual o papel do presidente nesse projeto? Exatamente o que Bolsonaro faz diariamente. Confuso, amigo leitor? O chefe do Executivo foi concebido para ser o Rocky Balboa brasileiro. Apanha, apanha, apanha, revida e não desiste. Gosta do conflito. Enquanto mídia e Bolsonaro trocam insultos e chacotas, não há holofotes nos ministérios. Convoca-se um humorista para provocar veículos de comunicação, que reverberam tal fato por semanas. Há relativa paz no restante da Esplanada. Todavia, o custo político é alto. Olha-se, dos gabinetes legislativos, com ambições perigosas para o Planalto. Paradoxalmente, democracia não é lá o forte do Democratas. Preso nessa arapuca, a manutenção presidencial, como no primeiro mandato Dilma, está, mais que provavelmente, atrelada a um acordo com o MDB. O caso Osmar Terra é didático quanto ao caso. Baleia Rossi merecerá uma estátua na horrorosa Praça dos Três Poderes. É esperar para ver. Cadê meu Rivotril, Mandetta?

Marcos Paulo Candeloro é historiador, cientista político e consultor na plataforma Revelagov.

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