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Lula e Bolsonaro debate
Lula e Bolsonaro na chegada do debate da Globo.| Foto: Fotos: João Miguel Júnior/Globo

Na turbulenta maré política nacional, a onda petista — que era esperada pelas expectativas das pesquisas — foi mitigada por um tsunami bolsonarista no âmbito nacional e em boa parte dos estados. O fenômeno de 2018 foi repetido e, em muitos casos, aprofundado: para espanto de alguns, vários dos ex-ministros do Planalto agora são senadores eleitos, e Jair Messias Bolsonaro teve mais de 40% dos votos, o que empurrou a decisão sobre quem será o vencedor da eleição presidencial para o segundo turno.

Os levantamentos erraram — e feio. Mas não se trata de má-fé. Há questões de metodologia a serem revistas, mas, principalmente, um ponto mais essencial: a incapacidade de detectar movimentos complexos que ocorrem às margens da arena pública, nas redes sociais, nos grupos muito localizados das comunidades. Reflexo de um Brasil profundo — como diz meu colega analista político Cleber Benvegnú — há muito tempo ignorado pela mídia, elites intelectuais e, também, pelos institutos de pesquisa. Há uma visão equivocada que desconsidera justamente a complexidade da população, que não pode ser colocada em simples caixinhas, de “comunistas” de um lado e de “fascistas” de outro. A eleição presidencial deste ano mostrou isso.

Será um segundo turno diferente, aberto a ter reviravoltas. Lula e Bolsonaro têm a chance de recalibrar suas estratégias e apresentar seus projetos de governo com transparência.

A estratégia de Bolsonaro, que conseguiu manter uma conexão forte com valores morais que pautam o dia a dia, foi pragmática e acertada do ponto de vista eleitoral. A polarização tão condenada pelo centro sustentou essa narrativa. O retrato conservador do Congresso Nacional é uma prova de que esse foco deu resultado. Foi uma conexão construída ao longo de anos, revigorada durante toda gestão de Bolsonaro, contando com aliados fiéis e presentes. Outro ponto foi a atenção aos grandes colégios eleitorais, a partir da eleição de Claudio Castro no Rio de Janeiro, e a liderança no primeiro turno de Tarcísio de Freitas em São Paulo. Na largada do segundo turno, já conta com os apoios de Romeu Zema, reeleito em Minas Gerais, e de Rodrigo Garcia, derrotado pelo próprio Tarcísio em SP.

Há também a mobilização dos deputados com suas emendas, que chegaram com força a todos os cantos do país. São coisas que as pessoas entendem: obras, estradas, hospitais, reforçando um exército com líderes comunitários, prefeitos e vereadores. Por tudo isso, Bolsonaro, apesar da segunda colocação, larga com muita força para essa nova etapa.

Lula, igualmente, tem uma conexão histórica com as pessoas mais humildes, que recordam seus feitos do passado, principalmente na área social e no momento econômico positivo vivido no seu governo. Traz consigo números e indicadores que repete a todo momento, além das vitórias em série na Justiça. Angariou apoio da terceira e do quarto colocado, Simone Tebet e Ciro Gomes, além de governadores e deputados bons de voto. E, claro, faltando 1,8 milhão de votos para ter vencido no primeiro turno, vem embalado para consolidar a eleição.

Contudo, o ex-presidente precisa ir além se quiser vencer a eleição presidencial. Deve dar respostas a questões ainda nebulosas para uma parcela importante da população: o que fará para que cenas do passado, como mensalão e petrolão, não se repitam? O que é possível esperar na área econômica? São pontos fundamentais dos quais ainda se esquiva, podendo afastá-lo do eleitor que não deseja Bolsonaro, mas também tem receio em votar no petista. Lula é um político experiente, pragmático, capaz de fazer complexas construções políticas — mesmo a contragosto de aliados, como ao trazer Geraldo Alckmin para a vaga de vice, visando o centro. Olhar para o retrovisor é importante, mas Lula precisa agora mirar o horizonte e ser capaz de dar respostas sobre o futuro.

Será um segundo turno diferente, aberto a ter reviravoltas. Lula e Bolsonaro têm a chance de recalibrar suas estratégias e apresentar seus projetos de governo com transparência. Ao final, após a escolha democrática do povo, ambos devem lidar com a multiplicidade de visões de nosso país. São 200 milhões de brasileiros, que não se dividem unicamente entre A ou B. Maiorias e minorias precisam ser respeitadas, não por imposição de suas ideias particulares, mas pelo diálogo construtivo e desafiador do bom senso e do equilíbrio. E isso não é papo de centrista, mas sim de uma nação que precisa seguir seu rumo, seja qual for o vencedor.

Soraia Hanna é jornalista e sócia-diretora da Critério – Resultado em Opinião Pública.

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