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Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado momentos difíceis quando o assunto é democracia. Um dos episódios mais marcantes foi o ataque às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023. Aquelas cenas chocaram o país e deixaram claro que é preciso proteger melhor nossas instituições.
Para isso, o Congresso aprovou uma nova lei (Lei 14.197/2021) que define crimes contra o Estado Democrático de Direito, isto é, contra a própria democracia. Essa lei substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional, que vinha dos tempos da ditadura e já não fazia sentido em um país democrático. A nova lei trouxe punições para quem tenta, por exemplo, derrubar o governo eleito ou acabar com a ordem democrática. E foi com base nela que o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou centenas de pessoas envolvidas nos atos de 8 de janeiro. Algumas penas chegaram a 17 anos de prisão. Mas aí começa a polêmica: será que essas penas são justas? Ou será que foram pesadas demais?
Muitas críticas no meio jurídico apontam que houve exagero. Argumenta-se que, em alguns casos, a Justiça aplicou duas penas diferentes para o mesmo ato. Por exemplo: quem tentou derrubar o governo foi condenado tanto por “golpe de Estado” quanto por “abolição do Estado Democrático de Direito”.
No entanto, segundo essas críticas, esses dois crimes contra a democracia são tão semelhantes que um deveria absorver o outro, ou seja, a pessoa deveria ser punida por apenas um deles, o que resultaria numa redução significativa das penas aplicadas. Essa ideia tem nome técnico: princípio da absorção. Ela serve justamente para evitar que alguém seja punido duas vezes por um mesmo comportamento. É uma forma de garantir que a Justiça seja firme, mas também equilibrada.
Isso não significa minimizar a gravidade dos atos ocorridos em 8 de janeiro, tampouco sugerir que não devam ser punidos. Atentar contra a democracia é uma conduta extremamente grave. Ainda assim, mesmo em situações como essa, é fundamental que a atuação do Judiciário ocorra com cautela, assegurando o respeito aos direitos e garantias legais de todos os envolvidos, inclusive daqueles que cometeram crimes. Afinal, o que distingue uma democracia de um regime autoritário é justamente o compromisso com o respeito às normas e garantias legais, inclusive quando se trata de responder a ações que buscaram violá-las.
Diante desse cenário, há posicionamentos no meio jurídico que defendem a necessidade de revisão, por parte do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, quanto à forma de aplicação dessas penas. Já foram apresentados projetos de lei com o objetivo de esclarecer que, em situações como essas, deve prevalecer a pena correspondente ao crime mais grave, evitando a imposição de sanções cumulativas para condutas semelhantes. Proteger a democracia é essencial. Mas isso não pode ser feito com pressa ou com sede de vingança. A resposta mais eficaz aos ataques ao Estado de Direito é demonstrar que ele funciona com justiça, equilíbrio e respeito à Constituição
Rafael Junior Soares é advogado, doutor em Direito, professor na PUC/PR, e conselheiro estadual da OAB/PR.



