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Desacelerar a rotina para aprender mais
| Foto: Pixabay

Como gestora pedagógica, reflito cada vez mais sobre a maneira de educar crianças, tanto no ambiente escolar como no contexto familiar, já que os pais são considerados os primeiros educadores. Os adultos de hoje fazem parte de uma geração em que o processo de ensino-aprendizagem seguia o modelo tradicional, considerando apenas a transmissão de conhecimentos, a pergunta calada e a “decoreba”. Apesar de ainda ser utilizado em algumas instituições, esse modelo já está ultrapassado.

Nossas vivências em escolas com métodos tradicionais acabaram nos colocando em caixinhas, bloqueando nosso campo de visão. Hoje, a concepção de infância mudou, e prioriza-se a construção da autonomia, a observação, a investigação, a manipulação e a exploração de objetos que aguçam a curiosidade. Precisamos oferecer uma maneira de aprender compatível com o mundo atual, respeitando o momento de cada criança, sem acelerar as etapas do desenvolvimento infantil com cobranças da vida adulta.

Ouço freqüentemente frases como “Por que você fez isso?”, “Você já é grande, olhe o seu tamanho!”, “Você parece um bebê, voltará a usar fraldas e chupeta!”, “Ligeiro, filho, agora a mãe não pode, está atrasada”. Observo as mesmas características no comportamento das professoras, já que muitas também são mães e vivem em um mundo agitado, acumulando diversos afazeres.

Há movimentos que apresentam a importância de ir no sentido contrário da sobrecarga de aulas e atividades: o slow parenting, que significa “pais sem pressa”. A iniciativa, que surgiu em 2008 nos Estados Unidos, foi concebida pela enfermeira canadense Juan Alice Rowcliffe e segue até hoje com vários adeptos pelo mundo. No Brasil, um dos seus adeptos é o autor Paulo Fochi, que diz: “educar passou a ser compreendido como um empreendimento do futuro. Os pais entendem agendas lotadas como sinônimo de qualidade de vida”. Ou seja, a orientação é desacelerar a rotina dos pais e, consequentemente, a dos filhos.

A reflexão que trago, em relação às crianças, refere-se à cobrança por um comportamento adulto: ao mesmo tempo que precisa crescer, precisa correr atrás do tempo perdido. Esse aceleramento na rotina acaba respingando na escola, no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e construção do ser e saber, refletindo tanto nos aspectos cognitivos como nos emocionais.

Ao conversar com os pais e professores, ouço a necessidade, independentemente da série, de que a criança saiba registrar seu nome, palavras e números, como prioridade na etapa da educação infantil, relacionando tais saberes à inteligência. Enquanto isso, nós, adultos, aindadesenhamos “bonecos de palitos”.

Um fato importante é refletir sobre o que queremos para a vida. Muitos pais com jornadas de trabalho atribuladas colocam seus filhos em várias atividades extracurriculares para suprir a falta de tempo. O resultado é que as crianças chegam à escola cansados, com sono e sem motivação para aprender. Para especialistas, esse excesso na agenda gera ansiedade, pela necessidade de tornar o tempo sempre produtivo, sem contar a pressão a que as crianças são expostas. Muitas são precocemente estimuladas a serem atletas de destaque, por exemplo, sem respeitar a especificidade, o ritmo e as escolhas de cada indivíduo.

Dessa forma, um aspecto considerado relevante e histórico no Brasil é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz a esperança de que a criança seja realmente criança, permitindo-se brincar e interagir com os campos de experiências, os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento. Tudo que é vivenciado pela criança tem o seu valor, se torna significativo para o seu desenvolvimento global, desde que seja vivenciado no seu tempo, considerando sua individualidade. Mesmo quando brinca livremente, sem a mediação do adulto, é possível criar relações inéditas, construir o seu próprio saber, desenvolvendo aspectos físicos, cognitivos, emocionais e sociais.

Partindo desse pressuposto, algumas perguntas nos fazem refletir com a intenção de ecoar em nossas escolhas. Quanto tempo a criança tem realmente com os pais ou na escola com o professor? Como (e onde) é passado esse tempo? A escola possui inúmeros espaços que são considerados de aprendizagem, e a sala de aula é apenas um dos recursos pedagógicos. É possível ensinar números solicitando às crianças um passar de dedo na areia do parque. Então, professor, vamos explorar aspectos cognitivos e emocionais, respirando o ar puro da natureza. O foco é quantidade ou qualidade? É possível ter qualidade no ensino e qualidade de vida! Estas vivências simples e significativas com certeza vão influenciar o comportamento na fase adulta. Precisamos pensar sobre as cobranças exigidas da criança e se elas estão niveladas com a sua maturidade. Quais conhecimentos são mais importantes para você? São os mesmos para a criança? O que chama mais a atenção? Brinquedos industrializados ou os não estruturados, como tampas, latas vazias, colheres, galhos, pedras, botões? Tudo com que podemos brincar estimulando o raciocínio, a imaginação, a fantasia e a criação. Inúmeras perguntas podem ser feitas, mas com questões como essas já é possível fazer uma reflexão, buscando mudanças de hábitos e comportamentos, buscando qualidade de vida.

Enfim, priorizemos a utilização do tempo com hábitos saudáveis, optando por momentos em que possamos explorar e conhecer o mundo, deixando as crianças interagirem por meio do brincar. Esse é o tempo delas, respeite! Isso é ensinar a viver!

Maria Cristina Starcke é coordenadora do segmento da Educação Infantil do Colégio Marista Pio XII.

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