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Um corte cronológico para a entrada das crianças no ensino fundamental não pode ser judicial a ponto de refutar o desenvolvimento individual dos alunos

Nos últimos dois anos, o debate sobre a implantação do ensino fundamental de nove anos tem gerado polêmicas em relação a sua proposta e a sua relevância no cenário educacional brasileiro.

É perceptível que a circulação das informações na mídia tem gerado, em alguns casos, mais angústia, tanto pelo desencontro dos processos e medidas que as escolas e o próprio Conselho de Educação estão tomando para se adaptar às decisões legais – característicos de todo o processo de transição e mudança – quanto pela iniciativa de descrever mais os conflitos do que esclarecer os princípios políticos e pedagógicos que alicerçam as bases do ensino fundamental de 9 anos. Assim, o que se percebe é confusão e ansiedade por parte das famílias sobre o futuro do processo de escolarização dos filhos.

A fundamentação desta decisão política tem duas intenções: "oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade" (Lei nº 10.172/2001). Fica claro que o objetivo político é implantar uma reforma educacional que atenda a necessidade de ampliar a escolaridade a um maior número de crianças, e também de atender as exigências do cenário internacional no tocante aos índices e ao nível de escolaridade da população brasileira.

Não se trata, portanto, de uma revolução no processo de inclusão e no processo pedagógico de formação para a cidadania, até porque, para tanto, seria necessário promover mudanças no cenário da formação continuada dos professores; na gestão da política e das verbas públicas; na valorização dos saberes e da experiência das pessoas inseridas na cultura local (educadores, alunos, comunidade) como exercício de cidadania, buscando um maior equilíbrio social e econômico. Entretanto, a proposta de inclusão é muito interessante no que se refere às questões pedagógicas que priorizam um maior tempo de permanência da criança e do adolescente na escola.

As decisões pedagógicas sobre o currículo, a concepção de infância e de alfabetização nas diversas áreas do conhecimento são centrais no processo de transição entre a educação infantil e o ensino fundamental.

Não se trata de acelerar a criança de seis anos para o ensino fundamental, aumentando as exigências de um currículo de 1ª série, muito menos se trata de manter, simplesmente, o currículo da última série da educação infantil no novo segmento. É importante que as escolas – particulares e públicas – concebam uma estrutura espiral de organização dos conteúdos e da aprendizagem da educação infantil ao final do ensino fundamental.

É preciso, neste sentido, evitar uma ruptura entre a educação infantil e o ensino fundamental (ruptura clássica que ainda persegue as organizações curriculares e a cultura escolar). Dito de outra forma, é muito comum ouvir comentários enfatizando que "o tempo da educação infantil é o da brincadeira e da ludicidade" e o "tempo do ensino fundamental é o de estudar".

No contexto escolar da educação infantil e do ensino fundamental, os planejamentos que contemplam as brincadeiras livres ou dirigidas, favorecem o desenvolvimento da linguagem corporal, imagética e sonora no processo de alfabetização das crianças. O conceito de alfabetização abrange também a construção de diversas áreas do conhecimento. É através do jogo e da imaginação que a realidade social e histórica se aproxima da aprendizagem infantil. Desta maneira, quando proporcionamos que as crianças investiguem a realidade em que vivem por meio da vivência e da experimentação, contribuímos para que elas ampliem a rede de significados sobre o contexto que vivem. Assim, a alfabetização envolve a construção dos conceitos de tempo e espaço e de mega-habilidades como a imaginação, a memória e a linguagem.

Entendemos que a ação educativo-formativa necessita de um trabalho diagnóstico do processo de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos, da turma e da série, nas dimensões do aprender/saber pensar, ser e agir. Nessa perspectiva, aprender e ensinar faz parte de um processo dialógico que coloca o educador e o educando em situação de interação e reciprocidade diante da ação de aprender. A aprendizagem é significativa quando o conhecimento em construção estabelece uma rede de relações com a realidade/contexto histórico e social na qual os sujeitos se constituem.

Desse ponto de vista, educar é um ato político que orienta desde a seleção dos conteúdos até a preocupação de como os alunos pensam e aprendem. Isso nos coloca a necessidade de reavaliar constantemente nossas práticas pedagógicas no tocante às dimensões formativa e diagnóstica do processo de ensino-aprendizagem e de aprendizagem-desenvolvimento. Assim entendemos que quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento e quanto mais desenvolvimento, mais aprendizagem, pois a aquisição do conhecimento é simultaneamente uma atividade cognitiva e cultural.

Consideramos que o principal ganho pedagógico em favor dos alunos está justamente num maior tempo para o processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças e jovens, desde que se considere a importância da continuidade das propostas pedagógicas e curriculares no processo de formação acadêmica e humana dos alunos.

Nesse sentido, um corte cronológico para a entrada das crianças no ensino fundamental não pode ser judicial a ponto de refutar o desenvolvimento individual dos alunos. Com efeito, cabe à escola avaliar os processos de transição dos alunos da educação infantil para o ensino fundamental, de acordo com os processos de acompanhamento da aprendizagem e do projeto pedagógico que orienta o seu contexto educacional.

Claudia Furtado de Miranda é supervisora pedagógica de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental do Colégio Medianeira, mestre em Educação e historiadora.

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