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Urna eletrônica
Imagem ilustrativa.| Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo

Informações sobre bens de candidatos devem ser públicas ou o direito à privacidade é, de fato, absoluto? Em situações concretas, quais são os seus limites quando em face do uso máquina pública e, pois, do interesse coletivo?

O direito à privacidade possui diversas facetas, mas, em linhas gerais, podemos entender como a prerrogativa de impedir que estranhos acessem informações pessoais/privadas sobre determinada pessoa, ou seja, é o direito de proteger suas informações das vistas alheias.

Hoje, já sabemos que esse direito, em que pese ser um direito constitucional, como preconiza o  artigo 5º, inciso X, deve ser ponderado com outros, igualmente constitucionais, como o direito de acesso à informação. Já é sabido que inexiste hierarquia entre direitos fundamentais, os quais podem ser limitados uns pelos outros, o que se nomeia de coalisão de direitos fundamentais, onde deve ser observado o princípio da proporcionalidade para realizar a ponderação de qual direito deve sobressair em detrimento do outro.

Partindo dessa premissa, a restrição de um direito fundamental deve sempre estar limitada ao outro direito fundamental dentro dos limites que não acabem cruzando a linha de proteção efetiva dos bens jurídicos contrapostos. É o que vemos na questão entre o direito à privacidade que os políticos possuem, e o direito de acesso à informação que todo cidadão é titular.

Aqui, a proporcionalidade deve ser pensada sob a ótica do interesse público. Este nada mais é que a materialização do animus coletivo de efetivação dos direitos fundamentais, devendo, portanto, prevalecer em detrimento de interesses individuais, como é no caso da privacidade.

Nesse cenário, sob o aspecto de direitos fundamentais, além de não haver que se falar na preservação da privacidade em detrimento do interesse público de acesso à informação, a própria LGPD traz, em seu rol de bases legais, a obrigação legal ou regulatória (Artigo 7º, inciso II), a qual dispõe que os dados pessoais poderão ser tratados para fins de cumprimento de lei ou regulamento.

No tocante à declaração de bens de candidatos, possuímos a Lei 8.730 de 10 de novembro de 1993, que em seu artigo 1º determina a obrigatoriedade de declaração de bens e renda para exercício de cargos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ainda, em seu parágrafo 2º, inciso IV, o dispositivo legal fala sobre a obrigatoriedade de publicização no Diário Oficial da União dos referidos bens.

Percebe-se, portanto, que na legislação brasileira existe norma que impõe o dever de declaração e de divulgação ampla dos bens dos candidatos. A sua aplicação, além de trazer mais transparência ao processo eleitoral, inibe o uso da máquina pública para a prática de atos em benefício pessoal.

A LGPD não possui, por si só, o condão de limitar atividades, sejam elas privadas ou públicas. Ela deve ser observada como uma norma que busca dar plena eficácia ao direito fundamental da privacidade, apoiando-se em outras legislações que devem ser interpretadas conjuntamente. Para que essa interpretação seja feita de maneira adequada, deve-se ter como premissa que a relação de tratamento de dados é sempre sucessora de relação jurídica prévia entre Titular e Agente de Tratamento. Nesse sentido, a LGPD nunca deve ser interpretada de forma isolada, pois acabará por ser aplicada de forma desproporcional e irrazoável.

Factualmente, ainda que o direito à privacidade pudesse prevalecer em detrimento do acesso à informação, ou sobre o princípio da publicidade (aplicável para os atos praticados pela administração pública), a própria lei que cuida da matéria de privacidade de forma específica, dispõe que os dados pessoais poderão ser tratados quando existir lei que obrigue o tratamento, ou seja, devido à obrigação de declaração de bens imposta pela Lei 8.730, o TSE não pode se abster de tratar os dados sobre os bens do candidato com base na privacidade, tampouco deixar de divulgá-los, conforme redação do parágrafo 2º, inciso IV do Artigo 1º da referida lei.

Portanto, sob um prisma constitucional, ainda que partamos da premissa da prevalência do direito à privacidade ou do direito de acesso à informação, em ambos os casos, o dever de publicização dos bens dos candidatos não se extingue. No primeiro caso, em razão da Lei 8.730 e da base legal de Obrigação Legal ou Regulatória, no segundo caso, em virtude do interesse público.

Natália Brotto é advogada especialista em Proteção de Dados, Mestre em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), certificada EXIN em Privacy and Data Protection Foundation e sócia fundadora do Brotto Campelo Advogados. Bárbara Carneiro é advogada da área de Privacidade e Proteção de Dados, Cibersegurança do mesmo escritório. 

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