• Carregando...
Congresso Nacional
Congresso Nacional, em Brasília.| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou no dia 5 de janeiro o PLC 32/2021, que regulamenta a cobrança do diferencial de alíquota (Difal) de ICMS em operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final em outro estado não contribuinte do imposto. Assim, ele acabou com uma discussão de mais de uma década sobre a necessidade ou não de lei complementar (LC) para cobrança da Difal. Porém, a polêmica não está encerrada.

O Supremo já tinha decidido pela necessidade de LC e modulado efeitos para assegurar às empresas que tinham ação o não pagamento até que houvesse a LC, além de determinar que as empresas que não tivessem ação continuassem pagando até 31 de dezembro de 2021. Por isso, o Congresso aprovou a LC no apagar das luzes de 2021. Na prática, o projeto sancionado altera a Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), para regulamentar a tal cobrança.

Quando aprovada, em 1996, a Lei Kandir atendia perfeitamente às necessidades de momento. Ela dava liberdade para que os estados definissem as próprias alíquotas de ICMS, pois o consumidor comprava produtos no próprio estado onde residia. Mas o comércio eletrônico avançou e plataformas e ecossistemas de vendas on-line foram criados. O consumidor final começou a comprar, por meio do comércio eletrônico, produtos de outros estados. Assim, um consumidor da Bahia, ao comprar um par de sapatos de alguma loja paulista, estava gerando ICMS para o estado de São Paulo e não para a Bahia. Estados das regiões Sudeste e Sul, principalmente São Paulo e Rio de Janeiro, viram suas arrecadações crescerem exponencialmente. Na contramão, as demais unidades da Federação perdiam receita, pois as empresas locais eram preteridas por aquelas instaladas nos entes mais ricos. O PLC 32/2021 não só encerra uma discussão antiga, mas também oferece um caminho bem mais transparente. Porém, um novo imbróglio foi criado.

No dia 6 de janeiro, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou convênio autorizando os estados a cobrarem, desde o dia 1.º, o Difal no varejo eletrônico. Acontece que essa decisão é inconstitucional porque o ICMS tem de ser cobrado respeitando duas regras legais voltadas à questão da anterioridade. Uma delas é o princípio da anterioridade nonagesimal, disposto no item “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Ele determina que o fisco só pode exigir um tributo instituído ou majorado decorridos 90 dias da data em que foi publicada a lei que o instituiu. A própria LC prevê que deve ser respeitado este princípio constitucional. Assim, a vigência e eficácia desta cobrança só seria válida 90 dias após a sanção do presidente da República ou, como defendem alguns doutrinadores, 90 dias após os estados e o Distrito Federal publicarem suas leis ordinárias estaduais tratando da Difal prevista na LC.

Há também outra regra a ser observada, que é o princípio da anterioridade anual (artigo 150 da Constituição), que garante que um tributo novo só pode ser aplicado a partir do próximo exercício. Ou seja, como a LC 32/2021 só foi sancionada em janeiro de 2022, ela deveria ser aplicada apenas a partir de 2023. O Congresso aprovou a cobrança em dezembro de 2021. Se o presidente a tivesse sancionado no mesmo mês, tudo bem, a cobrança poderia começar ainda neste ano. Mas a sanção só ocorreu agora, pondo mais lenha na fogueira sobre a possibilidade de cobrança imediata pelos estados da Difal.

É fácil entender a decisão do Confaz. Sem o Difal, os estados correm o risco de perder R$ 9,8 bilhões em arrecadação. É muito dinheiro, principalmente em época de crise econômica. Acontece que, se a cobrança realmente acontecer, poderá ser alvo de ações judiciais por parte das empresas, alegando que ela só deveria começar em janeiro do ano que vem.

Além disso, ninguém esperou a LC ser aprovada para editar suas regras internas. O estado de São Paulo é um exemplo. A lei ordinária paulista que regula os procedimentos para a cobrança foi criada antes da aprovação da LC. O Confaz autorizou, mas as leis ordinárias das unidades da Federação têm de ser adaptadas à legislação recém-aprovada para terem validade. Enfim, tudo indica que uma nova novela está para começar. Vamos acompanhar o desenrolar dessa nova trama.

Joaquim Rolim Ferraz é advogado pós-graduado em Direito Tributário. Ubaldo Juveniz dos Santos Junior é advogado, mestre em Direito do Estado, concentração em Direito Tributário, mestrando em Direito Europeu e Internacional pela Universidade de St. Gallen (Suíça) e professor do curso de Especialização em Direito do Cogeae da PUC/SP.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]