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Nas próximas semanas, abundarão análises so­­bre o desempenho da presidente Dilma Rous­­seff neste primeiro ano à frente do go­­verno. Que resumo fazer dos últimos 12 meses?

A eleição de Dilma Rousseff veio acompanhada por uma espécie de aura: depois de um ex-metalúrgico, era a vez de uma mulher governar o país. Se essa dimensão simbólica não teve um papel decisivo na escolha dos eleitores, certamente alimentou a imaginação daqueles que sentenciaram que a eleição trazia consigo o indício de que antigos preconceitos e tabus da política nacional estariam em vias de superação. Isso pode até ter um fundo de verdade, mas, passados 12 meses, a concretude da política acabou por se sobrepor ao alegórico: o fato de ser mulher, divorciada e ex-militante de um grupo armado que combateu a ditadura teve pouca ou nenhuma ressonância nas decisões palacianas promovidas até aqui – talvez com a exceção da aprovação da chamada "Comissão da Verdade".

Nada mais natural. Hoje, o "Yes, we can" de Barack Obama, para ficarmos no exemplo mais recente e significativo desta idealização das trajetórias de vida, não é mais do que mero slogan promocional. No cotidiano do poder, Obama tornou-se tão só um político – com todas as conotações que o termo carrega. Se no processo eleitoral a construção de um personagem com ares míticos mostra-se fundamental, no dia a dia do poder a tendência é que esta imagem concorra com elementos mais concretos, numa luta entre o "ser" e "parecer". Lula só foi capaz de ser reconhecido, do primeiro ao último dia de seu mandato, como "o ex-metalúrgico que chegou à Presidência" porque liderou um governo de sucesso. Um carisma de resultados, portanto.

Mas o que extrair da construção simbólica operada até aqui por sua sucessora? Dois elementos são significativos neste processo. O primeiro, e mais evidente, é o fato de Dilma ter exorcizado a ideia de que era um mero fantoche de Lula. A presidente demoveu as suspeitas de ventriloquia de forma relativamente espontânea, mesmo sem lançar mão do expediente mais comum em casos assim, que é o de relativizar as conquistas do passado e prometer um futuro verdadeiramente triunfante. Se o papel do ex-presidente foi fundamental no processo eleitoral, fica cada vez mais claro que o "mito lulista" deixou a condição de protagonismo para se tornar acessório. Importante notar, porém, que o mito, por definição, só é invocado quando cessam as condições "racionais" para o equacionamento dos problemas humanos. Até aqui, ele não foi necessário. Num ambiente de crise, é bastante provável que ressurja com força.

O segundo ponto é o mais significativo e convida à reflexão. Em menos de 12 meses, seis ministros foram exonerados por suspeitas de corrupção. Em situações "normais", estaríamos diante de um governo extremamente fragilizado, em vias de decomposição. Não é o que ocorre. A imagem de Dilma passou incólume e, na maior parte dos casos, se fortaleceu ao longo do processo de fritura dos ministros. Em vez de ser imediatamente associada aos desvios de seus subordinados, Dilma tem sido reconhecida por parte significativa da "opinião pública" (expressão sempre imprecisa e perigosa) como aquela que está moralizando o governo, demitindo implacavelmente os malfeitores.

A situação é intrigante. Os regimes presidencialistas se distinguem de seus congêneres parlamentaristas justamente pela prerrogativa presidencial de nomear ministros. Não se pode falar que Dilma foi criteriosa na escolha ou célere em afastar os ministros. Ao contrário, segurou-os no cargo até o limite, quando os custos para a manutenção dos suspeitos se tornaram mais altos do que os custos a serem arcados com as demissões. Ou seja, a postura de Dilma nada teve de proativa e implacável; foi, sim, lenta, vacilante e reativa. Todavia, foi a teoria da "faxina" que triunfou: Dilma promoveu a limpeza do Estado.

Houve, de forma natural, uma espécie de demarcação daquilo que poderíamos chamar de "administração" – que compreende serviços precários oferecidos à população e burocratas corruptos – e de "governo" – que tem sua imagem associada à figura da presidente. Do ponto de vista da propaganda política, trata-se da maior conquista do governo Dilma até aqui. É difícil saber se tal imagem vai perdurar ao longo dos próximos três anos ou se a imagem de "gerentona implacável" será aquela a caracterizar o governo de Dilma Rousseff. O certo é que, com a rotinização de sua gestão, a tendência é que elementos "materiais" ganhem força em detrimento do "poder simbólico". Assim como Lula, Dilma terá de conjugar sua "aura" com resultados efetivos.

Elton Frederick, mestre em Ciência Política pela PUC/SP, é especialista em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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