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Há alguns anos li – e, de imediato, concordei – um artigo que falava sobre o desconforto de usar salto nas calçadas de Curitiba. Com o interesse superficial de quem analisa o tema apenas sob a ótica feminina da moda e elegância, minha indignação sobre a predominância do petit-pavé e de blocos irregulares de paralelepípedo na maior parte das veredas da cidade limitou-se à possibilidade de torcer um pé ou quebrar o salto num dos incontáveis buracos que esses materiais fazem emergir com o passar do tempo.

Hoje, diante da realidade de conviver com uma mãe cadeirante, a vida tem mostrado que as consequências das calçadas da cidade são muito mais nocivas e prejudiciais que um salto quebrado. Na verdade, nossas calçadas são segregadoras, discriminantes. Desumanas. A remodelação constante provocada pelo trabalho dos próprios materiais, agravada pelo crescimento das raízes das árvores plantadas ao longo das ruas, provocam buracos e elevações dos pisos e rampas destinados ao uso de pedestres e por onde também circulam as pessoas com necessidades especiais; são impeditivos reais do direito constitucional de ir e vir.

Quem necessita ou convive com pessoas que usam bengala ou cadeiras de roda sabe que é praticamente impossível circular pela cidade. E quem se arrisca conhece muito bem a sensação de desequilíbrio e insegurança constantes. Aliás, o cadeirante que anda pelas calçadas da cidade conhece ainda outra sensação inesquecível: a de batedeira elétrica. Reação decorrente do impacto das rodas da cadeira no piso irregular, a trepidação afeta até o cérebro.

A cidade que há décadas vem usando de todas as formas de mídia para divulgar o status de "Capital Ecológica" (apesar de 40% de suas residências ainda não serem ligadas à rede de esgoto, mas isso é outro assunto) esqueceu que o conceito de ecologia trata de ecossistemas onde se garanta a sobrevivência de todos os seres vivos e suas interações. Sob tal ótica, fazer cumprir os direitos e liberdades básicos de todos os seres explicitados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em vigor desde 1948, não apenas faz parte dos estudos globalmente aceitos sobre ecologia como também do Programa Cidades Sustentáveis, lançado em 1992 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e no qual o tema da sustentabilidade urbana é tratado sob inúmeras formas, inteligentes, inovadoras e criativas de responder, entre outras coisas, aos desafios do crescimento e envelhecimento da população.

Curitiba se apresenta como uma cidade sustentável. Aliás, em 2010, desbancou outras cidades da Europa, Ásia e Oceania e conquistou o prêmio Globe Award Sustainable City, organizado pelo Globe Fórum, da Suécia, que todo ano elege a cidade mais sustentável do mundo. Foi o segundo prêmio mundial vencido por Curitiba naquele ano. Em janeiro, a cidade já havia ganhado o Sustainable Transport Award, em Washington, pela implantação da Linha Verde.

Até quando os dirigentes da capital paranaense vão se contentar com títulos internacionais conquistados muito mais pela eficiência do marketing que por sua efetividade, enquanto seus moradores continuam convivendo com esgoto a céu aberto, com uma Linha Verde incompleta e intransitável, e enquanto os cadeirantes são confinados a permanecer dentro de suas casas por não conseguir circular pelas calçadas da cidade?

Clarice López de Alda, jornalista, é diretora do Instituto GRPCom.

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