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O direito de greve está assegurado no artigo 9.º da Constituição brasileira – "competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". Isso não está em questão. Também não está em questão discutir acerca da manutenção de serviços e atividades essenciais à comunidade, nem a respeito do direito de greve dos servidores públicos. Também não se quer debater sobre eventuais atos de truculência que costumam ocorrer em meio a piquetes dos movimentos paredistas. O problema é o modo como os grevistas vêm exercendo esse direito por eles considerado sagrado.

Seja lá qual for sua categoria, os trabalhadores em greve estão, invariavelmente, usando do procedimento nada democrático de obstruir vias públicas – ruas, avenidas, alamedas, travessas, calçadas e praças, vias de trânsito de veículos ou de circulação de pedestres. Obviamente, trabalhadores em greve hão de se concentrar em algum lugar para fazer suas assembleias, dialogar, debater, deliberar sobre alternativas de negociação etc. E quando os sindicatos não têm uma sede suficientemente ampla para abrigar seus afiliados, eles se reúnem nos espaços públicos. De preferência na frente das empresas, dos bancos, das sedes de governo.

Até aí, tudo bem. O problema surge, do ponto de vista dos cidadãos que não pertencem ao sindicato e não estão em greve, quando os grevistas resolvem porque resolvem movimentar-se pela cidade. Certamente, há de haver um bom motivo para isso. Eles poderiam, simplesmente, marcar o ponto de encontro, com data e hora, e lá fazerem a concentração, os discursos, os gritos de protesto, as palavras de ordem, as encenações, os enterros simbólicos, enfim, tudo aquilo que a criatividade e os recursos do sindicato possam permitir – e parece que, quanto a isso, as manifestações estão cada vez mais profissionalizadas.

Por que será que os grevistas resolvem se movimentar pelas vias públicas? Demonstração de força, talvez. Ou, quem sabe, para "elevar o moral da tropa" – tentando obter aquele "efeito desfile" que melhora bastante a autoestima. Poder-se-ia arriscar uma comparação com as festas momescas, em que carnavalescos dançam, cantam, fazem folia e contam com uma plateia bastante alegre e motivada que também os potencializa. Todavia, o "desfile" dos grevistas, em cortejo com o carro de som, não tem contado com nenhuma plateia motivada e alegre. Ao contrário. São cidadãos que se veem pegos na contingência de ser plateia do "desfile", ouvindo gritos, apitos e música em volume acima do limite de decibéis indicados pelas posturas municipais, e com um conteúdo que não lhes diz respeito.

Alguns cidadãos são colocados compulsoriamente na condição de plateia para ver a banda grevista passar, enquanto outros, em seus automóveis, são forçados a encompridar o cortejo nos insuportáveis congestionamentos de ruas e avenidas. Cidadãos que também são trabalhadores, mas estão trabalhando. Motoristas de táxi que precisam atingir suas metas de corridas para fazer frente ao orçamento doméstico; representantes comerciais fazendo seu trecho para visitar clientes; médicos se dirigindo ao hospital para fazer um atendimento de emergência; advogados com audiência judicial marcada, que só admite, às vezes, proverbiais quinze minutos de atraso.

O direito de greve é constitucional tanto quanto o direito de locomoção, de ir, vir, permanecer e ficar de todos os cidadãos. Essa liberdade de locomoção é um direito tão importante que está colocado dentre os "direitos e garantias fundamentais" da Constituição (art. 5.º, XV). E é manifestação característica da liberdade de locomoção, dizem os tratadistas, o direito à circulação. Circulação que vem sendo obstruída, autoritariamente, pelo referido procedimento grevista.

Será que os grevistas pensam que os cidadãos atingidos pela obstrução das ruas fariam um sofisticado raciocínio e culpariam os patrões dos trabalhadores em greve, ou o prefeito, ou o go­­vernador, ou o presidente da República, pelo su­­foco que estão passando? Será que eles pensam que o sujeito que está com seu carro parado há meia hora no congestionamento vai deixar de votar no prefeito, por exemplo, porque o prefeito não aceita os termos de negociação dos grevistas? Ou vai odiar o banqueiro, o dono da indústria, da empresa, o capitalismo?

Sugiro que se faça uma pesquisa de opinião a respeito. Os sindicatos também são sensíveis a essas pesquisas de opinião. Mas a pesquisa tem de ser feita na rua, durante o congestionamento provocado pela passeata.

Joel Samways Neto, procurador do estado do Paraná.

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