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As dificuldades financeiras enfrentadas pelo governo do Paraná não correm em segredo e o próprio chefe do Executivo reconhece o problema. O governador Beto Richa tem empreendido todos os esforços a seu alcance e colocado seu capital político à prova para salvar as contas públicas, e, por conseguinte, sua reputação.

Enquanto o foco das discussões estava na mudança da previdência do Estado e na batalha do Centro Cívico de 29 de abril, poucos se atentaram para uma alteração legislativa sem precedentes. O governo estadual obteve autorização da Assembleia Legislativa do Paraná para resgatar dinheiros de diversos fundos, dentre os quais, os de Defesa de Direitos Difusos (FDD), Meio Ambiente (FEMA), Penitenciário (FUPEN), Segurança Pública (FUNESP), Defesa do Consumidor (FECON) e Direitos dos Idosos.

O governo estadual obteve autorização da Alep para modificar a destinação de recursos de diversos fundos

O que causa maior perplexidade é que os montantes oriundos dos fundos citados poderão ser aplicados na folha de pagamento ou despesas de qualquer natureza orçamentária, como pagar servidores e juros de empréstimos. É o que consta da Lei Estadual 18.375/2014, com redação dada pela Lei 18.468 de 29/04/2015. Algo de constitucionalidade muitíssimo duvidosa.

Restrito ao chamado FDD, esse fundo foi criado pela Lei de Ação Civil Pública (LACP) e regulamentado pelo Decreto Federal 1.306/1994. De acordo com o artigo 13 da LACP: “Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”. Ilustra-se: uma indenização proveniente de condenação por dano que tenha afetado centenas ou milhares de pessoas por derramamento de óleo de uma refinaria é depositada no FDD e, posteriormente, repassada ao órgão responsável para a reconstituição dos bens lesados. Como previsto no artigo 1.º do referido Decreto Federal, o FDD “tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos”.

Direitos ou interesses difusos pertencem a uma categoria indeterminável de pessoas, ligadas entre si pela mesma situação de fato. Eles são compartilhados em igual medida por todos nessa condição e interessam não a um só indivíduo, mas à coletividade, como a proteção ao patrimônio público, à saúde pública e ao meio ambiente.

No mínimo, em tese, está-se diante de uma anomalia jurídica, já que o governo estadual obteve autorização da Alep para modificar a destinação de recursos de diversos fundos, inclusive do denominado FDD, colocando à sua disposição milhões de reais não pertencentes ao estado, cuja regulação é dotada de abrangência federal.

À luz do dia, em meio ao caos no Centro Cívico de Curitiba, com uma manobra política, socorre-se um governo em naufrágio fiscal, que gastou mais do que arrecadou. Uma lei estadual foi aprovada e possibilitou outro destino a milhões de reais de recursos previstos em lei federal com finalidade específica.

Rafael Rodrigues Viegas, graduado em Direito e mestre em Ciência Política pela UFPR, vinculado ao Nusp-UFPR.
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