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Dos quase 15 mil formados em Medicina no ano passado, sabe qual a chance de uma parcela ter passado pela experiência de acompanhar uma mesma gestante durante nove meses, do início da gravidez até o seu parto? Praticamente zero. Quantos acompanharam o crescimento de uma criança do seu nascimento até ela completar pelo menos um ano, suas interações com a mãe, com a família, com os medicamentos, com as possíveis internações e reações a vacinas? Praticamente nenhum. Quantos acompanharam por pelo menos um ano um paciente que sobreviveu ao AVC, sua recuperação, fisioterapia, novos medicamentos, intercorrências? Novamente a resposta é: praticamente nenhum.

Foi para formar médicos mais preparados, com mais experiência, que o governo encaminhou ao Congresso, ao Conselho Nacional de Educação e à Comissão Nacio­nal de Residência a proposta de dois anos de treinamento, em serviço remunerado, na Atenção Básica e Urgência-Emergência ao fim da conclusão da sua formação. A proposta é inspirada em mudanças feitas em países europeus como Inglaterra, Suécia, Portugal e Espanha. O objetivo é exatamente dar suporte para que os médicos estejam aptos a lidar com as doenças mais comuns entre nós, que são aquelas que exigem cuidado continuado, multiprofissional e com mudanças nos hábitos de vida.

Esse debate vem sendo travado repetidas vezes nos fóruns de educação médica. Muitos alegam que os estudantes hoje atendem no SUS, principalmente durante os dois anos de internato. É verdade, pois ninguém se formaria médico no Brasil se não existisse o SUS. Mas por que hoje isso não é suficiente? Porque o internato, na maioria das vezes, ocorre por especialidades, sem o período de acompanhamento continuado de um paciente. A visão que prevalece atualmente é quase sempre pautada nas especialidades, majoritariamente em um ambiente hospitalar, muito diferente da realidade de vida de qualquer de um de nós. Quando acompanhava os dedicados estudantes da Faculdade de Medicina da USP nas enfermarias de Alta Complexidade do HC/FMUSP, ou no estágio opcional no núcleo da USP no interior do Pará, eram mais que visíveis estes contrastes. Não por culpa dos estudantes, pois são eles que sofrem cada vez mais a pressão da especialização precoce, que deveria na verdade ocorrer numa etapa posterior, da residência médica. O médico ainda em formação vê hoje o paciente aos pedaços, pelo corte da especialidade, e não integralmente.

Os dois anos de treinamento em serviço da Atenção Básica e Urgência-Emergência se darão em unidades ligadas às faculdades, o que aproximará cada vez mais a escola formadora da rede de saúde. Na Atenção Básica, serão supervisionados por médicos especialistas em Medicina da Família, reforçando a importância desta especialidade, bastante valorizada em outros países. Como foi dito no lançamento do programa, o debate acontecerá livremente no Conselho Nacional de Educação e na Comissão Nacional de Residência Médica sobre como, por exemplo, esse estágio poderá servir como o primeiro ano de um conjunto de especialidades médicas.

O que não se pode negar é que mudou muito o perfil de saúde da nossa população. Cada vez mais conviveremos com doenças do envelhecimento, doenças crônicas que exigem cuidado continuado por um médico que seja, antes de tudo, especialista em gente.

Alexandre Padilha é ministro da Saúde.

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