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Frequentemente, a informação veiculada nos meios de comunicação produz um travo na alma. A sociedade desenhada no noticiário parece refém do vírus da morbidez. Crimes, aberrações e desvios de conduta desfilam na passarela da mídia. O goleiro Bruno foi o mais recente capítulo. Os telejornais, e até mesmo os diários mais sóbrios, ficaram de joelhos para o espetáculo. Assistiu-se ao circo da morte. O crime foi o resultado de alguns desvios: o machismo da sociedade que trata a mulher como objeto de posse descartável, a cultura da impunidade, a disseminação das drogas e os valores frágeis de garotas extasiadas com ícones de plástico, mas carregados de dinheiro e glamourizados pelas engrenagens do entretenimento.

Mas não vou falar do goleiro. Vou escrever sobre o avanço das drogas que ameaça transformar o sonho da juventude numa terrível frustração. A violência avança impune no Brasil e o seu principal estopim – a distribuição e o consumo de drogas – continua fora da agenda pública e do debate dos candidatos.

No mercado da cocaína o Brasil exerce triste liderança. O país é hoje o maior espaço consumidor da droga na América do Sul e provavelmente o segundo maior nas Américas. Cresce em progressão geométrica a demanda doméstica. Ademais, somos, hoje, um importante corredor de distribuição mundial. As consequências dessa assustadora escalada podem ser comprovadas nos boletins de ocorrência de qualquer delegacia de polícia. De fato, o tráfico e o consumo de drogas estão na raiz dos roubos, das rebeliões nos presídios e da imensa maioria dos homicídios.

Observa-se também um equivocado discurso subestimando os efeitos nocivos da maconha. Além de ser vestíbulo de entrada para drogas mais pesadas, a maconha não é tão inócua como se propala. Como afirmou o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), "os artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco dos jovens desenvolverem doenças mentais. Do meu ponto de vista essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termo de aumento de quadros psiquiátricos", sublinhou o especialista.

A verdade precisa ser dita. Não se pode sucumbir à síndrome do avestruz quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas nos barracos da periferia abandonada e no auê dos bares e boates frequentados pela juventude bem-nascida. A prevenção e a recuperação, únicas armas eficazes a médio e longo prazos, reclamam um apoio mais efetivo do governo e da iniciativa privada às instituições sérias e aos grupos de autoajuda que lutam pela reabilitação de dependentes.

Tenho acompanhado o excelente trabalho realizado por algumas comunidades terapêuticas. Sem uso de medicamentos e investindo num conjunto de providências que vão às causas profundas da dependência, essas comunidades têm obtido bons índices de recuperação. Visitei algumas dessas instituições. Aponto, entre outras, uma instituição de referência: a "Comunidade Terapêutica Horto de Deus", em Taquaritinga, no interior de São Paulo (www.hortodedeus.org.br). Com gravíssimas dificuldades financeiras e sem qualquer apoio dos governos, embora não faltem falsas promessas de ajuda de políticos oportunistas, a entidade tem sido responsável pela recuperação de inúmeros dependentes químicos. Merece um registro. Os governos não se dão conta de que o trabalho dessas instituições repercute diretamente na qualidade da segurança pública. Elas rompem o círculo vicioso das drogas e criam o círculo virtuoso da recuperação e da ressocialização.

Debates no Congresso Nacional sugerem que as comunidades terapêuticas, bem como as demais instituições idôneas que trabalham na recuperação de adictos, possam, num futuro próximo, receber recursos provenientes do Fundo Nacional Antidrogas e do Sistema Único de Saúde (SUS). Seria uma providência inteligente. É sempre melhor apoiar o que já funciona do que cair na tentação de criar novas estruturas. Afinal, um adicto recuperado é o melhor aliado na luta contra as drogas.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br

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