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É festa na Guiné Equatorial. No país em que 40% das crianças passam fome, dois terços da população vivem com menos de US$ 2 por dia e menos da metade tem acesso à água potável, agora sobram estandartes de ouro. Se faltam escolas na Guiné Equatorial, há pelo menos escola de samba para exaltar seu ditador, um dos homens mais ricos do mundo e amigão do governo petista. O patrocinador da festa, que tem fama de canibal, ajudou a compor a ala do atraso, mas não estava sozinho.

O desfile deste ano também viajou para uma época anterior à dos Flintstones, na Idade da Pedra Lascada. Para quem acha os homens das cavernas muito primitivos, vale lembrar que o Fred Flintstone original já sabia estruturar socialmente sua comunidade, confeccionava artefatos para caçar, trabalhava cooperativamente, tinha uma família e protegia os próprios filhos, além de se vestir. O uso de roupas ajudou o homem das cavernas a caçar com menos chances de ferimentos, proteger o corpo do frio e criar o que hoje se conhece como civilização. Ser bípede tirou a genitália do chão, o que impôs certas regras de etiqueta e convívio social.

Fred e Vilma Flintstone também tinham uma divisão de trabalho e tarefas específicas para cada um. Antes que os homens das cavernas sejam acusados de sexistas, os antropólogos Mary C. Kuhn e Steven L. Stiner, da Universidade do Arizona, acreditam que foi exatamente esta divisão de tarefas que fez com que vencessem os neandertais na luta pela sobrevivência. Cientistas de verdade costumam dar uma banana para o politicamente correto.

O carnaval da avenida, com suas incríveis águias retráteis de 20 metros, seus paraquedistas com precisão cirúrgica e pistas de neve artificial, foi também palco de quem preferiu apenas ficar pelado e simular sexo em cima de carros alegóricos

Durante o Paleolítico, Fred Flintstone superou o determinismo imposto pelo “cérebro de lagartixa”, a amídala cerebelosa na definição de Seth Godin. Ela é formada por um pequeno conjunto de neurônios no topo da espinha dorsal que tem a função de manter os animais preocupados apenas em se alimentar, fazer sexo, lutar ou fugir, mas Fred Flintstone conseguiu ir além e deixar os outros animais para trás. A amídala cerebelosa ainda é importante, mas o cérebro humano cresceu e venceu.

O que se entende hoje por civilização nos trouxe um mundo de antibióticos, geladeiras, ressonâncias magnéticas, aviões, viagens espaciais, combustíveis fósseis, computadores, hambúrgueres, microscópios, tablets, celulares, neurocirurgias, óculos multifocais, ar-condicionados, transmissões via satélite, água filtrada e esgoto encanado e tratado, um luxo para poucos na Guiné Equatorial, mas acessível a quem pode usufruir dos benefícios gerados pela Revolução Industrial, pela globalização e pela economia de mercado, um clube que há 200 anos aceita novos sócios interessados em enriquecer seus povos mais que seus ditadores e burocratas do governo.

Lado a lado com o brilhantismo de alguns gênios, houve também momentos em que vários “cérebros de lagartixa” inverteram o relógio evolutivo, fazendo orgias exibicionistas em cenas de primitivismo explícito, de constranger os habitantes do Paleolítico. O carnaval da avenida, com suas incríveis águias retráteis de 20 metros, seus paraquedistas com precisão cirúrgica e pistas de neve artificial, foi também palco de quem preferiu apenas ficar pelado e simular sexo em cima de carros alegóricos. Como dizia o enredo, era o fim do mundo.

A aspiração de voltar no tempo e desconsiderar tudo que evoluímos dos Flintstones para cá é legítima, cada um que faça o que quiser. O curioso mesmo é chamar isso de “modernidade”.

Alexandre Borges, publicitário, é diretor do Instituto Liberal.
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