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A tributação brasileira é tão perplexa que a pergunta “é foto ou vídeo?”, até então reservada às celebridades flagradas em selfies com apresentadores de tevê, foi recentemente apropriada por contribuintes que pretendem regularizar ativos lícitos não declarados e mantidos no exterior. Diferentemente da brincadeira digital, a foto ou o vídeo de que trata a Lei 13.254/2016 é assunto preocupante, uma vez que revela ambiguidade na interpretação do valor a ser quitado para aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).

A divergência está opondo tributaristas e a Receita Federal, e reside especificamente em identificar o correto critério da base de cálculo para o pagamento de 30% do valor do patrimônio de origem lícita não declarado ao Fisco. Esta quitação será operacionalizada pela Dercat até 31 de outubro deste ano e representa a somatória dos porcentuais de 15% de Imposto de Renda e 15% de multa, considerando que o valor do ativo expresso em moeda estrangeira deverá ser convertido em reais pela cotação do dólar norte-americano do dia 31 de dezembro de 2014, equivalente a R$ 2,66.

O ponto principal da regularização é decifrar sobre qual base incidirá a alíquota de 30%. A primeira opção é a foto, cuja incidência seria sobre o montante do patrimônio objeto de regularização e que é o exato reflexo da posição patrimonial para 31 de dezembro de 2014. Em outras palavras, é a imagem estática do saldo do ativo na data eleita pela lei como da aquisição de um acréscimo patrimonial, equivalente ao montante dos ativos objeto de regularização.

O regime de regularização especial trará consequências extremamente positivas

A segunda opção é o vídeo, interpretação que remete aos valores já consumidos antes de 31 de dezembro de 2014, de modo que a situação patrimonial identificada nessa data se somaria aos montantes consumidos no passado. Ou seja, nada mais é do que uma imagem dinâmica de períodos passados e que foi adotada pela Receita Federal com fundamento no Parecer PGFN/CAT 1.036/2016.

Embora pareça apenas um fator temporal, é certo que a diferença entre os dois critérios (foto e vídeo) importa na cobrança maior pelo Fisco, uma vez que a premissa do vídeo implica em considerar ativos já consumidos e que não existem mais na data em questão.

Em que pese a opinião do Fisco, é certo que a interpretação pelo vídeo não foi a vontade do legislador quando a Lei 13.254/2016 foi editada, pois evidentemente teve de eleger um marco no tempo para implementar a política da regularização de ativos não declarados. Afinal, se o objetivo do RERCT é a regularização de patrimônio pela premissa da foto, o limite escolhido importa na adoção de um critério para esquecer o passado pela ausência de declaração e, por consequência, regularizar a situação fiscal para o futuro. A propósito, o contribuinte que aderir ao regime vai ter de quitar, necessariamente, os reflexos de Imposto de Renda no patrimônio para os exercícios de 2015 em diante, o que prova que o divisor de águas tem limite certo e deve ser considerado como 31 de dezembro de 2014, sob pena de violação a diversos preceitos constitucionais e tributários.

O entendimento pelo filme, além de poder ser questionado no Judiciário, representa uma insegurança e vulnerabilidade nos contribuintes, pondo em risco a confiança da política fiscal pretendida. Essa interpretação inflada e indevida da lei revela a confirmação da vulnerabilidade administrativa do contribuinte.

Não bastassem esses argumentos, se o critério do vídeo for considerado, ainda é questionável por quantos anos seria essa retroação a ser perseguida pelo Fisco. Pelos institutos tributários, seria até 2012, considerando o prazo de cinco anos da decadência contados dos dias atuais. Todavia, pelo viés do Direito Penal, há posição que defende voltar 12 ou 16 anos, notadamente em relação aos prazos prescricionais em abstrato dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, respectivamente.

Ainda que equivocada a posição do Fisco quanto à base de cálculo, é certo que o regime de regularização especial trará consequências extremamente positivas quanto à troca de informações num cenário global sobre os contribuintes. Em um ambiente de negócios altamente conectado, o Brasil está inserido em uma política internacional séria e dedicada à transparência das informações, caminho sem volta e que trará conforto aos contribuintes que aderirem e, por outro lado, efetividade mundial para combater crimes como a lavagem de dinheiro, tráfico de entorpecentes e o terrorismo.

Em tempos de ajuste fiscal, a necessidade de elevação da arrecadação tributária não se revela apenas com aumento da alíquota ou novos tributos. Há outras maneiras de expandir os cofres públicos, inclusive por meios de interpretação distorcida da legislação, tal como é o critério do vídeo no RERCT. Enfim, por essa razão, a pergunta “é foto ou vídeo?” deveria ser mantida restrita às selfies e nada mais.

Emerson Albino, advogado e economista, é professor de Planejamento Tributário. Ricieri Gabriel Calixto é advogado, consultor tributário e professor de Direito Tributário.
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