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É preciso muito mais do que ensino formal para corrigir a educação brasileira.
É preciso muito mais do que ensino formal para corrigir a educação brasileira.| Foto: Imagem de Freepik

Em muitas oportunidades, ao realizar palestras e participar de seminários sobre o tema “educação”, diante do problema educacional brasileiro perguntam-me se uma solução poderia ser implementada rapidamente e refazer todo o sistema de forma imediata, conseguindo fazer ressurgirem pessoas com capacidade intelectual invejável ao mundo de maneira rápida.

Ao responder esta pergunta, digo simplesmente que não. Gostaria então de aprofundar esta resposta e dar alguns argumentos que me permitem assim responder. Farei várias considerações sobre observações que já apresentei em artigos anteriores e que precisam ficar muito claras para o leitor que está preocupado realmente com o nosso futuro educacional. Assim, devemos diferenciar educação de ensino. E aqui vamos comentar o problema educacional, não do ensino, entendendo que, se corrigirmos o primeiro, certamente o segundo entrará nos eixos de maneira natural.

A construção de um sistema educacional forte e consistente é um trabalho lento, árduo e paciencioso

Primeiramente, a construção da inteligência é lenta para nós, seres humanos. Não digo somente abordando o aspecto biológico do crescimento dos órgãos envolvidos, mas falando também das características necessárias para que este ser humano se desenvolva intelectualmente. Em termos de história, vimos um crescimento educacional na humanidade durante o Cristianismo, que atingiu seu auge no século XII com a Escolástica e Santo Tomás, momento em que foi quebrado o processo educacional. Entretanto, devemos somar a estes 1.200 anos toda uma herança greco-romana, a qual poderíamos somar mais 600 anos, pelo menos. Dessa maneira, pode-se afirmar que a sociedade ocidental conseguiu chegar a um patamar educacional que teria levado cerca de 1.800 anos de desenvolvimento. Portanto, a construção de um sistema educacional forte e consistente é um trabalho lento, árduo e paciencioso.

E esta lentidão ocorre pela complexidade do nosso intelecto, o qual precisa passar pela simples apreensão, pela reflexão e pela contemplação das verdades que capta ao longo de sua existência. Nem todos os conhecimentos assimilados em uma geração são passados adequadamente para a próxima, e ocorrem muitos retardos ao longo do processo. O pior caso é quando não se faz uma transição geracional por meio da chamada “tradição”, que é de pai para filho ou de mestre ao discípulo, mas apenas por linguagem escrita. A tradição, por ser “de mão em mão”, realmente transmite o âmago da verdade para o estudante que absorve intelectualmente direto da fonte e pode esclarecer suas dúvidas e progredir em um caminho sólido rumo a um crescente, uma ascensão intelectual. A leitura nunca irá transmitir a íntegra da verdade a qual pretende transmitir ao leitor. Todos sabemos que nada substitui o contato pessoal na educação, e a falta deste contato, quando conduzido por pessoas não capazes de meditar ou refletir, pode tirar conclusões equivocadas e atrapalhar todo o processo de tradição de uma geração a outra. Esta quebra ocorreu na tradição católica em duas oportunidades: com a criação das Universidades e, posteriormente, com a extinção da Companhia de Jesus.

Um segundo argumento, seria a falta de uma filosofia da educação a ser seguida na atualidade que tivesse um objetivo claro de elevação da inteligência dos estudantes. Como apenas é buscada a chamada realização profissional, toda a capacidade do aluno é como que congelada e ele nem faz ideia de que pode evoluir para tornar-se um ser humano melhor, acrescentando que seus educadores também não fazem ideia disto que estou falando, o que dificulta ainda mais o tempo de construção de um sistema que visasse esta melhoria. Sem uma meta apropriada, todos temos que concordar que não chegaremos ao nosso objetivo. Na verdade, a meta atual é muito baixa, mesmo que esta se preocupe tão somente com o ensino, não educação. Na quebra da tradição católica que comentei acima verifica-se justamente isto, ou seja, abandonou-se a filosofia da educação que conduzia a educação antes das Universidades e, mais uma vez, quando foram retirados os jesuítas do espectro educacional. Podemos acrescentar mais uma mudança filosófica com a chegada da industrialização promovida pelos holandeses, após a Revolução Industrial que nos trouxe até aqui.

Um terceiro fator seria a falta de documentos e de experiências de mestres para ensinar os educadores contemporâneos, pois, como já falei, quebrou-se a tradição e abandonaram-se os verdadeiros métodos e técnicas adequadas para se elevar a mente até sua capacidade máxima. Mesmo tendo que recorrer apenas aos documento antigos sobre como seria uma forma de educar exemplar, como a dos gregos ou dos romanos ou dos cristãos do primeiro milênio, ainda assim esta coletânea de livros e anotações, mesmo que sejam poucos, precisam ser traduzidas para o português, e o melhor seria ter pessoas que dominassem o idioma e fizessem imediatamente as meditações e reflexões adequadas, traduzindo não só as palavras, mas as ideias básicas da prática educacional a qual realizavam em tempos tão remotos. No caso dos jesuítas, estes tentaram interpretar o sistema educacional romano e construíram um sistema próprio, o qual chamamos de Escola Clássica, mas já estava, de certa maneira decaído, mas era excelente se comparado aos nossos dias.

Iniciou-se um processo de mudança social que nos traz até hoje, fazendo-nos acreditar que a melhor coisa do mundo é o dinheiro e tudo o que gira em torno dele deve ser estimulado

O quarto item que retardaria a mudança na educação é a força econômica que está atrás do sistema educacional mundial que não quer e não possibilita este desenvolvimento individual e impõe um método centralizador que rebaixa o nível geral, tornando os instruendos apenas executores de ordens e aptos a receberem alguma habilidade com a finalidade de exercerem alguma forma de trabalho aproveitável para a estrutura social que eles próprios estão criando a nossa volta. Este obstáculo é muito forte, uma vez que o dinheiro é o que norteia os sistemas de ensino mundo a fora. O sistema financeiro internacional quer que se mantenha assim, preparando os indivíduos para serem robôs a seu serviço. Alguns podem até acreditar que este seja o obstáculo mais difícil de ser ultrapassado para se mudar a educação e o ensino no mundo, mas há um outro que abordarei em seguida e que eu reputo como o mais importante dificultador que impede uma mudança rápida nos dias de hoje.

Como quinto componente, identifico a deficiência na formação familiar. O direito à educação é da família, preceito constitucional declinado pela maioria do povo brasileiro que já se “vendeu” ao sistema econômico e acredita convenientemente que tem que ser assim mesmo. Sabemos que um sociólogo financiado por J. D. Rockfeller III chamado Kingsley Davis, dividiu, em 1949, a sociedade humana em instituições primárias e secundárias, sendo a família um exemplo da primária e as empresas um exemplo de instituições secundárias. Como o sistema atual do qual estamos falando se baseia nas empresas para a multiplicação dos recursos financeiros na sociedade, iniciou-se um processo de mudança social que nos traz até hoje, fazendo-nos acreditar que a melhor coisa do mundo é o dinheiro e tudo o que gira em torno dele deve ser estimulado.

Entretanto, para se mudar uma estrutura social, mudando o foco da família para a empresa, é preciso ir fundo na estrutura, uma vez que a família, obviamente é algo natural e a formação social se inicia nela, fato também natural. Foi aí que Davis apresenta para os americanos em 1967 uma proposta para realmente se alterar a estrutura social. Ele propôs que a família deveria ser alterada, as relações entre o casal deveriam perder a complementaridade e as relações sexuais deveriam perder a finalidade reprodutiva, fazendo com que todos pudessem ter relações sexuais livres e sem a preocupação dos filhos que poderiam surgir. Dever-se-ia retirar das mentes dos homens e, principalmente, das mulheres a vontade de ter filhos, desfazendo a necessidade de se ter famílias para se formar uma sociedade. Era preciso tirar a mulher de casa, igualá-la ao homem no trabalho e criar uma perspectiva nova e forte o bastante para quebrar os desejos naturais dos seres humanos.

Vemos que Davis e seus sucessores souberam agir onde realmente poderiam alterar a sociedade: as paixões. Ao criar vícios nos estudantes, estes não conseguem ter acesso à sua capacidade intelectiva.

É neste contexto em que estamos vivendo hoje, no qual as famílias, quando querem ter um relacionamento duradouro, buscam unir-se sem vínculo formal, sem filhos, com “pets”, para se relacionarem até o prazer e as paixões momentâneas desaparecerem e, neste ponto, buscarem novos parceiros. E como foram feitas estas mudanças? Como dizia Platão, de maneira muito lenta e sub-reptícia, parecendo ser algo “natural”, fruto da evolução da sociedade. Inicia-se com a aceitação do divórcio como algo normal, depois aceitam-se novos casamentos, mas ainda assim existe uma família e seria preciso ir mais fundo. Tem que haver uma tolerância para que uma pessoa possa ter vários companheiros sexuais, evitando que ela queira se apegar a um só, aí vem o aborto e a eutanásia. Mas como mexer na mente ainda mais fundo neste assunto tão natural e biológico? A resposta é tornar a pornografia um vício tolerável socialmente.

Sobre isto, gostaria de explicar melhor. Sempre houve pornografia no mundo, prostituição, traições amorosas, entretanto isto não era regra e não alterou por si só a educação. Voltando à ideia de Platão, era preciso que se anestesiasse os pacientes mais novos antes da cirurgia, assim, vemos que já antes de Davis falar sobre relações sexuais livres, já na década de 1950, surgiram revistas comerciais abordando pornografia entendida como algo normal e foi paulatinamente aceita pela sociedade ao ponto de adultos comprarem estas revistas para darem a seus filhos em casa.

A modernidade, com a televisão e as telas em geral, veio acrescentar a tecnologia ao processo de alteração social e das revistas passaram a filmes e vídeos e o consumo se popularizou. Com a rede mundial de computadores, tudo ficou acessível de maneira imediata, gratuita e para qualquer idade e isto está se tornando, como já falei, uma coisa “normal”. Entretanto, o que poucos de nós sabem, é que há uma alteração cerebral que transforma esta prática em vício. São Tomás nos ensina que as paixões e os apetites sensitivos, quando não bem controlados, afasta-nos da capacidade de usar a razão com plena e livre vontade. Vemos que Davis e seus sucessores souberam agir onde realmente poderiam alterar a sociedade: as paixões. Ao criar vícios nos estudantes, estes não conseguem ter acesso à sua capacidade intelectiva, tornando-se apenas executores despreocupados com a vida.

Sem família, não há virtude, as escolas não sabem e nem têm condições para ensinarem virtudes aos seus alunos

Mas onde isto tem a ver com educação, poderiam me perguntar? Pois acreditem que os livros didáticos utilizados nas escolas de nossos filhos estão contaminados com pornografia, orientações de educadores infantis estimulam a prática de masturbação, há um movimento mundial pela transmissão da ideologia de gênero nas etapas mais iniciais da escolarização. Isto é mudança de estrutura social, retirando os filhos das famílias com quatro anos de idade, no caso brasileiro, para se levar à escola, pois lá estas crianças estarão livres das influências “maléficas” da família e esta criança será formada para ser um cidadão do mundo, pronta a trabalhar em qualquer parte dele.

Vejam bem, como a inteligência humana que está na “psiquê” (alma) e os sentimentos estão na “soma” (corpo), não se pode desenvolver adequadamente a inteligência com um vício instalado no corpo. A alma é que deve dominar o corpo, não o corpo com suas paixões dominar a alma: é isto que Tomás nos alerta. Dessa forma, um vício deste tipo, provocado pela pornografia, afeta a alma e desvirtua o corpo, atingindo exatamente o que desejam os engenheiros sociais que estão trabalhando muito nesta área. Destroem a formação de uma inteligência elevada e a formação das famílias, pois é aí, nesta instituição primária, onde é possível educar e é onde se passam inicialmente as virtudes morais que serão a base da sociedade onde vivem. Sem família, não há virtude, as escolas não sabem e nem têm condições para ensinarem virtudes aos seus alunos.

Concluindo, faço um resumo dos argumentos pelos quais eu respondo que a educação brasileira não terá uma recuperação rápida: faz-se necessário um tempo longo para se elaborar os conceitos na faculdade intelectiva que cada um de nós possui; existe uma falta de uma filosofia da educação voltada para o crescimento intelectual da pessoa humana; quebrou-se a tradição educacional antiga e clássica, portanto não se sabe como retomá-la; existe uma imposição global da força econômica em produzir apenas bons trabalhadores para suas empresas; e, por fim, e a mais importante razão, a falta de uma formação familiar voltada para a verdadeira educação humana e este fator será aquele que mais exigirá esforço e tempo para a sua correção.

Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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