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É preciso critério e seriedade na escolha dos conselheiros do Tribunal de Contas do Paraná
| Foto: Giuliano Gomes/Gazeta do Povo

No ano que vem, a Assembleia Legislativa do Paraná terá de indicar o substituto do conselheiro Artagão de Mattos no Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR). A vaga de Artagão, que irá se aposentar automaticamente ao completar 75 anos em outubro, é uma das quatro de livre escolha do Poder Legislativo. O governador do estado faz outras três indicações, sendo que, entre essas, obrigatoriamente, um dos indicados precisa compor o quadro de auditores do tribunal e o outro deve ser oriundo do Ministério Público de Contas.

Ao longo dos anos, as indicações livres dos conselheiros para o TCE-PR têm seguido um critério político. Mais do que discutir nomes ou individualizar o papel deste ou daquele conselheiro, é preciso alertar para o que se tornou um roteiro tristemente repetido sempre que se abre uma vaga no órgão.

O cargo de conselheiro garante ao ocupante uma função quase vitalícia com enorme poder de influência no estado. Os conselheiros têm a capacidade de analisar a contabilidade e os atos de todos os municípios e órgãos estatais, e suas decisões alcançam a avaliação da destinação de bilhões de reais do dinheiro público, a suspensão ou anulação de licitações, a aplicação de sanções diversas, como multas e determinação de devolução de valores, além da desaprovação de contas que podem levar à inelegibilidade de candidatos.

Apesar da enorme importância do Tribunal de Contas para o Paraná, a posição de conselheiro virou um posto disputado entre articulações e acomodações que, em vez da técnica, premia a maior lealdade ao dono do poder de ocasião. Recentemente, viu-se inclusive que podem ocorrer disputas no interior dos grupos que comandam o estado. Ali e aqui há lamúrias de decepção entre os derrotados, sem que se questione, porém, a lógica que permeia as indicações.

As consequências desse modelo são notórias. Fui servidor concursado do TCE-PR e conheço a capacidade de análise e fiscalização do corpo técnico do órgão. Esse potencial, contudo, não tem sido aproveitado em várias questões fundamentais para o Paraná.

Um conluio entre agentes públicos e concessionárias de pedágio prejudicou enormemente a economia e a segurança dos paranaenses por mais de duas décadas, e o Tribunal preferiu não ver, apesar dos alertas do seu corpo técnico. Não foi o único caso. O Tribunal não viu os gritantes desvios na Assembleia Legislativa revelados por esta Gazeta do Povo e pela RPC no caso Diários Secretos. Não enxergou as irregularidades relevadas pela Operação Rádio Patrulha, entre tantas outras. E deixou de investigar e punir malfeitos ocorridos dentro da própria instituição, como o possível pagamento de propina para a construção do anexo de sua sede, que levou à prisão do coordenador-geral da instituição no passado.

Outro problema sério tem a ver com os claros conflitos de interesse que podem unir alguns conselheiros, de um lado, e membros do seu antigo grupo político ou de seus adversários, do outro.

De quando em quando, o TCE pune exemplarmente um ou outro gestor, fazendo a mão pesada da lei alcançar invariavelmente os atores politicamente mais fracos, e dando a impressão de que se age com o mesmo padrão em todos os casos.

O que se quer é que irregularidades e ilicitudes sejam combatidas com o rigor técnico necessário, independentemente da influência e da força política envolvida.  Numa casa em que o apadrinhamento e a troca de favores podem assumir o disfarce de “boas relações institucionais”, isso não parece plausível. Uma cara camada de fiscalização piora, e não melhora o combate à corrupção, se não for funcional e não atuar sempre com os mesmos critérios.

É preciso, portanto, levantar o debate sobre o modelo de indicação. Ainda em 2019, apresentamos na Assembleia Legislativa um projeto que padronizava o processo de escolha dos conselheiros do TCE, fixando critérios mais rígidos para a sua escolha, sem contrariar, no entanto, o que estabelece a Constituição da República.

Nossa proposta estabelecia, por exemplo, que os documentos exigidos dos candidatos fossem disponibilizados para consulta pública no site da Assembleia. A ideia era permitir que a população participasse e avaliasse os critérios de idoneidade moral, reputação ilibada e notório conhecimento jurídico, previstos na Constituição.

O projeto previa também que a arguição dos indicados fosse feita em sessão pública e aberta, com a presença de representantes da seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon-PR), do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRC0PR) e do Conselho Regional de Administração do Paraná (CRA-PR). Os representantes desses conselhos teriam direito a formular perguntas aos candidatos para avaliar a sua aptidão ao cargo. O projeto estabelecia ainda a Lei da Ficha Limpa como regra para permitir a inscrição de candidatos a conselheiro.

A proposta até hoje não avançou. Está parada, aguardando análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa. Acreditamos, no entanto, que, se o Legislativo furta-se de fazer essa discussão, ela precisará ser feita pela sociedade.

É sempre importante lembrar o procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira, que classifica os tribunais de contas estaduais como “a primeira trincheira de prevenção e combate à corrupção na administração pública”. Para que essa trincheira efetivamente funcione, precisamos debater com sinceridade um modelo de escolhas que foque nos currículos e na capacidade de fiscalização e análise dos candidatos. Precisamos apresentar e eleger nomes técnicos. É o passo inicial para termos um Tribunal de Contas efetivamente técnico, vigilante e equidistante.

*Homero Marchese é deputado estadual no Paraná pelo Pros.

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