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Os alunos de hoje do Colégio Estadual do Paraná não sabem, mas os corredores e salas de aula da casa abrigaram legendas do magistério. Muitos eram referência na Universidade, a cujo acesso, como ao ginásio de então, era verdadeiro prêmio, mérito apenas.

Falo do Estadual em que vivi, de 1953 a 1955, projeto pedagógico e mestre ímpares que duraram até o final dos anos 60. Era equiparado ao Dom Pedro II, repetia-se, com ênfase.

Tinha gente como João Mazzarotto, latinista emérito, citado pela piazada pelos apagadores de giz que mandava em direção aos desatentos. A avaliação do grande privilégio de tê-lo tido como mestre só chegou muitos anos depois.

Bento Mossurunga, o compositor histórico, poeta, boêmio, longa cabeleira, tentava ensinar teorias musicais e que cantássemos o Hino do Centenário. Gordilho, fino, elegante, rivalizava com outro professor também de Inglês, Gailit, no restrito universo dos mestres que tinham automóveis. Ensinavam o coloquial e nos introduziam Shakespeare.

Fechados – mas e de competência indiscutível – eram Maria das Dores Wouk, de francês, e Miguel Wouk, de português. Ela fazia a classe cantar e memorizar verbos e adjetivos. E assim assimilávamos a diferença entre adjetivos e pronomes possessivos. Miguel nos despertava para os linguajares regionais, absoluta novidade na época.

Francisco Genaro Cardoso furava o meio do jornal que colocava diante do rosto. Enquanto lia o noticiário de futebol, pelo pequeno orifício também sondava a classe; tentava ensinar redação, apontava talentos. Havia a Jamille Curie, Zawadski, Hipérides Zanello, Algacir Munhoz Maeder (depois reitor da UFPR), Estrela, Martenetz, Velloso, Vítola, Rosala Garzuze, Scheikmann, Germano Paciornick (pai do Jaimão), Moscalewski, Otilia e Osvaldo Arns (foi reitor da PUC), Maria Cecília Westphalen, historiadora e doutora, que – coisa daqueles tempos – dava aulas para crianças de 10, 12, 14 anos... E Leopoldo Scherner (depois paraninfo de minha turma de jornalistas), que passava segredos da língua e da literatura portuguesas descobertos com Manuel Bandeira, na Escola Nacional de Filosofia. Enfim, uma Academia, lato sensu.

A geógrafa Haydée Bastos, linda e charmosa, traçava mapas multicoloridos, perfeitos, no quadro negro; Maria Josefina Franco de Souza, toda voltada à Matemática, era implacável, reprovava os que, mesmo por milésimos, não assimilassem as equações.

Ivan Ferreira do Amaral, Farracha, Horácio Rodrigues, com seus irmãos, Renato e Antônio, João José de Arruda Neto, Alberto e Nelson Rached, Randolpho Veiga Mazza, Carlos Alberto Teixeira Cruz (criativo, artista, irmão da restauradora Maria Ester), José Maria de Andrade Serpa, Roaldo Roda, Danilo Avelleda, Wilson Brustolin, Bogdan Metcheko, Janary e Wallace Maranhão Busmann, Nabor Sottomaior , José Maria Osti, Ivo Brandt, Tatau Grein, Dalio Zippin Filho, Renato Trevisan...

Estes eram colegas das turmas com que dividi companheirismo, tempo e conhecimentos, no turno da tarde. De manhã, enfrentávamos as aulas de Educação Física com Saporski, Hélcio Buck Silva e o "gentleman" das pistas, Navarro, elegância e cultura notáveis.

A cola existia, era tosca: terminações verbais e de declinações eram escritas em estreita folha de papel, fixada nos braços com durex.

Com João Mazzarotto, um sábio (irmão de dom Antonio, que foi bispo de Ponta Grossa, e dom Jerônimo, fundador da PUCPR) ninguém precisava colar. Mesmo porque ninguém se aventuraria a enfrentar sua mão direita aberta, imensa, a lembrar um anjo vingador de passagens bíblicas. João raciocinava assim: "É livre a consulta a livros e dicionários. Quem não aprendeu, não sabe consultar". Tinha razão.

No recreio, a fala do ubíquo diretor Francisco Ribeiro pelos alto-falantes. Rivalizava com o coro de alunos anunciando pugilatos: "Pau, pau, pau". O Horácio Rodrigues e o Medina eram presenças certas nas contendas. E o ex-pracinha, "seu" Bruno, inspetor de alunos, atordoado, entrava em parafuso. Sofria de "psicose de guerra", justificávamos, repetindo explicações de adultos. Era socorrido por "seu" João, outro portador de neurose trazida de batalhas na Itália. Ah! Também havia aquele a quem apelidáramos de "Carrasco", habitante da casa dos fundos do CEP, ameaçador em sua presença volumosa. Queria evitar que destruíssemos bens públicos que nos cercavam, das carteiras aos banheiros. Vigilância de parcos resultados.

Dalena dos Guimarães Alves, orgulhosa de suas raízes nacarinas, era a orientadora educacional, e Maria José Franco Ferreira da Costa, filha de Lisímaco, a inspetora federal que aparecia, de surpresa, nas salas, para garantir cumprimento do programa oficial. A ela toda reverência da classe, que ficava em pé.

Quando velhos colegas se encontram, agradecem pelo CEP, que dava espaço à discussão nas salas, no auditório e nos pátios, da política à ciência, da religião à história. Tempos da nascente escola de cidadania que foi o Centro Estudantil, com gente como Norton Macedo, e, depois, Mussa José Assis, Airton Cordeiro, Hélio Arruda, hoje juiz de Direito no Rio – liderando facções políticas estudantis.

Nas lembranças dos velhos-meninos de hoje voltam expressões então correntes entre nós, denunciadoras de formação humanista e bom humor. Como ao recordar máximas tipo "O tempora; o mores", ("Ó tempos; ó costumes", de Cícero), que traduzíamos, na pura gozação, por: "É tempo de amoras".

Afora as não-declináveis. Incluam-se aí vocábulos que, vertidos do francês para o português, resultam em termos chulos. Mas também com citação reveladora de inteligente e bem escolarizado senso de humor de meros ginasianos.

Aroldo Murá G.Haygert é jornalista e presidente do Instituto Ciência e Fé. (www.cienciaefe.org.br).

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