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No festival de Curitiba, as regiões do Brasil se mostram representadas e re­­­presentando-se em palcos conven­­­cionais ou improvisados

O teatro não vive sem o público, em especial em uma sociedade do espetáculo como essa em que estamos inseridos atualmente. Isso significa que a atuação no palco e a busca permanente dos artistas pela melhor performance necessitam completar-se na presença e no olhar do espectador.

Aliás, outro não é o significado de espectador senão o de quem olha (spectatorem, do latim). O teatro precisa ser visto por alguém. Colocado em perspectiva oposta, ele precisa ser mostrado. Um festival é o momento e o período em que o teatro se mostra. Mais do que isso, mostra-se festivamente. Trata-se da festa do teatro.

Muito se falou (e se fala) do teatro como ritual, como expressão e como arte. Seu lado festivo encontra, no entanto, o momento marcante num festival. E quando ele se repete e se torna periódico, a festa ganha caráter ritualístico. Tal era o espírito dos gregos no início dos tempos do teatro. O festival na Grécia congregava artistas, artesãos e habitantes da cidade. Todos acorriam ao cenário principal para viver personagens, situações e conflitos que tinham a ver com a história de cada um e de todos. A duração do festival criava um hiato no tempo de trabalho e criava a plenitude no tempo da experiência da arte e da vida.

O desfile e a sequência de espetáculos manifestavam tanto a história da cultura quanto o estado da arte de representar. E valiam pela contribuição ao entendimento de ambas. Independentemente de prêmios, categorias e destaques, prevalecia o desejo de mostrar e mostrar-se. Essa herança espalhou-se por todas as regiões em que chegou a cultura helênica.

É nos anos dourados do século 20, na esteira de participações amadoras e estudantis que se inicia a história dos festivais de teatro no Brasil. Por trás dessa iniciativa, está a vibrante personalidade do embaixador Paschoal Carlos Magno, o criador do Teatro do Estudante do Brasil nos anos 1940. Sua devoção ao teatro e seu exemplo favoreceram a multiplicação de festivais pelo Brasil, na segunda metade do século passado. Do primeiro festival (Recife, 1958) ao último, o da Aldeia de Arcozelo (Rio de Janeiro) em 1976, cidades como Santos, Brasília e Porto Alegre sediaram o evento, espalhando pelo Brasil a ideia de festival e sua estruturação. Em 1952, o Festival do Autor Novo no Teatro Duse, também sob a coordenação de Paschoal Magno, prestigiou sobremaneira uma nova dramaturgia para a cena brasileira. Na esteira do sucesso do teatro, o cinema e música deram sua contribuição em festivais que foram criando público e revelando artistas para a maturidade da arte brasileira.

Em 29 de março de 1992, estreia o primeiro Festival de Teatro de Curitiba, fruto da iniciativa e persistência/resistência de cinco estudantes: César Oliveira, Carlos Bittencourt, Cássio Chamecki, Leandro Knolphfolz e Victor Aronis. Vinte anos depois, a continuidade constituiu-se em encontro marcado entre artistas e público. No festival de Curitiba, as regiões do Brasil se mostram representadas e representando-se em palcos convencionais ou improvisados, em teatros com quatro paredes, em ruas e praças de amplos limites, combinando o teatro convencional com a mais ousada experiência dramatúrgica e cênica.

Essa movimentação em torno da centralidade do teatro e de uma herança milenar alinha-se também com o projeto de Salvador de Ferrante que, nos anos 1920, sonhou para Curitiba um "Palácio das Artes", centro de irradiação artística, em que se encontrariam espetáculos e manifestações artísticas: da pintura à música, da dança à literatura, reinando soberano o teatro. Há sonhos que atravessam décadas.

Atualmente, expandido e louvado, o Festival de Teatro de Curitiba fez e continua fazendo história no Brasil, colocando sob holofotes os desejos estéticos (concretizados ou não) e a mais livre ousadia convivendo com expressões mais controladas, porém sempre revelando potencialidades e realidades da arte teatral brasileira.

Marta Morais da Costa, doutora em Literatura Brasileira pela USP, é autora do livro Palcos e jornais: representações do teatro em Curitiba entre 1900 e 1930 e colaboradora do Dicionário do Teatro Brasileiro.

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