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No dia 19 de fevereiro de 2014, o então deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG) renunciou ao seu mandato por causa das acusações relativas ao esquema conhecido como "mensalão tucano" (ou "mensalão mineiro"). Num primeiro momento, a decisão chamou atenção, visto que se tratava de um ex-governador e ex-presidente nacional do PSDB; ou seja, não se tratava da renúncia de um "peixe pequeno". Mas outro aspecto merece ser observado: Azeredo renunciou para escapar do "foro privilegiado", pois, sendo deputado federal, só poderia ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A renúncia de um deputado federal para escapar do "foro privilegiado" mostra que este foro não é tao privilegiado assim. A opção de Azeredo é fazer com que seu processo tramite em todas as instâncias judiciais inferiores, demorando muito tempo para chegar a uma decisão final, favorecendo que o caso seja esquecido. Caso se mantivesse como deputado, seu processo seria julgado diretamente pelo STF, o que certamente seria mais rápido e chamaria mais atenção.

A opção de um julgamento direto pelo STF foi a opção dos deputados federais envolvidos no escândalo do mensalão. Nao há nenhum documento público que evidencie o porquê dessa decisão, mas duas hipóteses são prováveis: a esperança de que um julgamento no STF, a partir de uma maioria de ministros indicados no período de governo do PT, pudesse ter maior influência política favorável aos petistas e aliados; e a tentativa de, a partir da condenação no STF, denunciar este espaço como "de exceção" e desacreditar outras decisões do STF, especialmente aquelas que contrastavam com as opções políticas do governo (Adin 1.923/98, sobre as organizações sociais, demarcação de terras indígenas, casamento civil igualitário, proibição do financiamento privado de campanha, entre outros pontos).

A situação evidenciada pela renúncia do ex-presidente tucano mostra a importância de o debate sobre a reforma política ir além das aparências. Durante os protestos que tomaram conta do país em junho de 2013, ganhou destaque uma plataforma de reforma política defendida a partir das redes sociais que pedia, entre outros pontos, a "corrupção como crime hediondo" e o fim do "foro privilegiado". Aparentemente, ambas as reivindicações trariam uma maior eficiência no combate à corrupção. Mas essa é apenas a aparência.

É preciso registrar que o problema em relação aos crimes de corrupção no Brasil não é a sua fraca punição. O "x do problema" está na ausência de punição dos corruptores e da não devolução do dinheiro público roubado. Portanto, uma lei de combate à corrupção deveria abordar estes dois pontos prioritariamente e não ter como foco apenas um tempo maior de detenção dos corruptos.

Assim como a reivindicação sobre a corrupção ser crime hediondo, a pauta do fim do "foro privilegiado" merece ser melhor debatida. Além da situação de Eduardo Azeredo já descrita acima, em que o melhor é escapar do julgamento do STF (o "foro privilegiado"), há outro ponto importante: uma série de entidades de direitos humanos reivindica, já há alguns anos, que alguns crimes possam ser federalizados, ou seja, saiam do julgamento na esfera local e "caiam" direto para o STF, o que não deixa de ser um "foro privilegiado".

No caso de crimes relacionados a direitos humanos, como assassinatos ocorridos a partir da disputa pela terra, a expectativa é de que, com a federalização do julgamento, este possa acontecer com menos influência do poder local, geralmente oligárquico e comprometido com a absolvição do criminoso. Como muitos donos de empresas de comunicação são também políticos influentes, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) tem reivindicação parecida, defendendo a federalização do julgamento dos crimes contra jornalistas.

A renúncia de Azeredo é mais uma evidência de que não existe uma "reforma política" possível. Esta pauta precisa ser apropriada pela maior parte da população para que não sirva para transformar nosso sistema político em algo ainda mais elitista, excludente e corrupto.

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