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Habituados aos numerosos escândalos ocorridos no contexto político brasileiro – com alguns dos seus protagonistas conhecidos e outros não –, os cidadãos constatam uma crescente apatia nacional para uma mobilização eficaz da vontade coletiva. É necessária a reflexão sobre como despertar nosso povo da letargia cidadã que o envolve e o aprisiona por causa dos efeitos nocivos da impunidade. Bernardo Toro destaca que "um país converte-se em nação quando responde propositivamente aos desafios que a história lhe coloca" e, com toda razão, aponta para uma necessária mobilização em direção a um ideal, que segundo ele começa com a formulação de um imaginário. "Um imaginário validamente proposto é, ao mesmo tempo, uma fonte de hipóteses que provê as pessoas de critérios para orientar a atuação e para identificar alternativas da ação."

Vozes como a de Silvio Romero fizeram-se escutar outrora: "O Brasil social é que deve atrair todos os esforços dos seus pensadores, dos seus homens de coração e de boa vontade, todos os que têm um pouco de alma para devotar à pátria." Temos de adquirir essa capacidade de mobilização, que "deve trazer referências que tornam possível a cada um responder às perguntas: em que medida o que estou fazendo contribui para alcançar esse objetivo? O que mais posso fazer?"

As interpretações sobre a cidadania podem agrupar-se em quatro categorias: identidade que confere ao indivíduo; virtudes requeridas; extensão do compromisso político e participativo e os pré-requisitos sociais para o exercício efetivo da cidadania.

Sob o ponto de vista minimalista, a identidade configura-se em termos formais, legais e jurídicos. Na perspectiva mais ampla, abre-se um horizonte que envolve aspectos sociais, culturais e psicológicos. Esta ampliação de horizonte é humanitária, transcende o limite legal e busca uma visão de bem comum e de participação social.

Dentre as muitas virtudes que constituem a "segunda natureza do cidadão", destacam-se a lealdade e a responsabilidade. Na visão minimalista, essas duas qualidades são vistas basicamente como locais e imediatas. A atividade cidadã se volta para círculos mais próximos, da vizinhança, da proximidade geográfica. Na proposta maximalista, amplia-se a abrangência. Bloom explica que "a sociedade e suas leis definem o que é bom e o que é mau e a educação da sociedade civil forma os cidadãos."

No Encontro Brasil, discurso pronunciado no quarto Congresso Nacional dos Municípios no Rio de Janeiro, Jorge Lacerda (Democracia e Nação, 1960) acenava para a visão de nação que deveria mobilizar todos os cidadãos: "Aqui é o encontro do Brasil, nos seus sonhos e nas suas afirmações, no seu sacrifício e no seu heroísmo. E o que se evidenciou, mercê de Deus, foi a coexistência do sentimento do município com os altos sentimentos da nação. É o sentido exato do municipalismo, que não significa o insulamento nos quadros estreitos dos âmbitos locais. Assinalava T. S. Eliot que o organismo espiritual de uma nação é a integração natural e espontânea das expressões e realidades de um país. E é importante, dizia ele, que um homem se sinta não apenas cidadão de determinada parte de seu país, com lealdades locais."

Quanto ao compromisso político e à participação cidadã, na concepção minimalista, o cidadão é um indivíduo que busca representantes para o exercício dos seus direitos. No outro extremo, encontra-se o "empowerment" social, realizado através dos princípios de participação e subsidiariedade. Do princípio de subsidiariedade decorre a necessidade de desenvolver as pessoas e instituições intermediárias, situadas entre indivíduo e Estado, de modo que exerçam ao máximo a sua responsabilidade no seu próprio nível. Reforça-se portanto o princípio-chave do máximo de liberdade com o mínimo possível de controle.

Quanto aos pré-requisitos sociais, a concepção minimalista apenas abre espaço para aquilo que está definido na legislação. A educação das virtudes sociais, que corresponde à visão mais ampla, nutre-se do conceito de igualdade de direitos e reforça aspectos colaborativos e participativos da ação do cidadão na sociedade.

A abordagem minimalista da educação cidadã gera uma "socialização não-refletida" sobre as situações da vida da sociedade e propicia a extensão e a intensificação da erosão dos valores morais no tecido social, com a conseqüente falta de participação na solução dos problemas da cidade, favorecendo o fenômeno da apatia e do desinteresse pelo bem comum.

Paulo Sertek é professor universitário e autor do livro Responsabilidade Social e Competência Inter-pessoal (IBPEX, 2006).paulo-sertek@uol.com.br

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