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Um dos aspectos mais preocupantes da recuperação da economia brasileira, delineada ao longo do ano de 2006, compreende a ampliação do endividamento dos consumidores. A elevação dos passivos das famílias brasileiras pode ser ilustrada pela evolução do estoque de crédito às pessoas físicas em relação à massa salarial que saltou de 4,6 vezes em dezembro de 2003 para 8,4 vezes em agosto de 2006. O custo da espécie em consignação atingiu cerca de 35,0% ao ano, enquanto que as linhas pessoais ficam em 59,0% a.a. e o cheque especial em 144,0% a.a. A par disso, as ofertas de curto prazo para as empresas situam-se em 33,0% e 37,0% a.a., respectivamente, para capital de giro e desconto de duplicatas.

Nesse cenário, cumpre frisar que a continuidade dos desdobramentos distributivos do Bolsa Família e do salário mínimo (que tem efeito cumulativo) dependerá da ampliação da abrangência e/ou do valor do benefício daquele programa (dado o seu impacto de uma única vez), da evolução da produtividade do aparelho econômico e da atenuação das limitações orçamentárias da União.

Igualmente relevante na frente de constrangimentos aparece a atmosfera pouco propícia à elevação do investimento público e privado, em infra-estrutura e produção para o mercado internacional, resultado da orientação econômica centrada em juros e tributos elevados e câmbio baixo, incompatível com o ajuste estrutural registrado pelo balanço de pagamentos nos últimos anos, desconectada dos padrões internacionais e sufocadora do setor privado; e a chance concreta de verificação de um apagão logístico, fruto da deterioração do aparato infra-estrutural, regulatório e ambiental brasileiro.

Mesmo depois da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de redução dos juros básicos de 14,25% a.a. para 13,75% a.a., na reunião realizada em outubro de 2006, a taxa real de 9,3% a.a. permanece liderando o certame mundial, a frente da Turquia (6,2%), China (4,8%), Israel (4,3%), Canadá (2,9%), México (2,8%), Cingapura (2,8%), Inglaterra (2,6%), Tailândia (2,5%) e Austrália (2,5%).

O medíocre ritmo de crescimento e a reduzida densidade dos investimentos, prevalecentes no Brasil nas últimas duas décadas, configuram a raiz e o efeito da reduzida expansão da capacidade de produção e da produtividade economia, resultando em aparecimento e propagação de focos inflacionários.

Até porque, mais distante do nirvana acenado por fontes oficiais, os sinais do mercado produtivo dão conta do perigo iminente de os desarranjos setoriais, derivados e/ou aprofundados pela "macroeconomia de controle e não de competitividade" do juro alto e do câmbio defasado, provocarem tomada de decisões de guinadas nas estratégias das empresas operantes no país, priorizando as preferências defensivas em detrimento das pró-ativas, redirecionando investimentos para espaços econômicos mais competitivos na era da globalização comercial, tecnológica e financeira.

É claro que esse tipo de conduta ocasiona prejuízos em cadeia nas redes domésticas de suprimento e de geração de renda e na capacidade exportadora, especialmente de atividades com maior potencial de agregação de valor e de emprego no terreno da fabricação de bens de consumo. A recente conformação de uma tendência de maior elasticidade do consumo em relação ao PIB já seria reveladora do vazamento de produção e emprego para o exterior.

É o caso das intenções da Volkswagen brasileira em negligenciar as vendas externas, responsáveis por quase metade do faturamento da companhia, e deslocar a fabricação do modelo Fox Europa para a Rússia, e da General Motors em comprimir em 1/3 o volume de produção destinado ao mercado externo, além da queda dos níveis de produção, inversão e exportação de segmentos intensivos em utilização de mão-de-obra, como têxtil, calçados, madeira e móveis.

As exceções têm ficado por conta das cadeias beneficiadas pela conjugação entre demanda chinesa e cotações internacionais elevadas, como as commodities agrícolas e minerais, especificamente os ramos químico, siderúrgico, mineração e papel e celulose. Tome-se como referência desse desempenho, a operação de aquisição, pela Vale do Rio Doce, de 75,66% (US$ 18,0 bilhões) do capital da mineradora canadense de níquel Inco, o que a tornou a segunda maior mineradora do mundo, atrás apenas da anglo-australiana BHP Billiton. A Vale deve totalizar investimentos de US$ 4,6 bilhões em 2006, dez vezes superior ao valor aplicado em 1997.

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