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Senhor, quando é que te vimos faminto e te demos de comer;Sequioso e te demos de beber?Quando te vimos peregrino e te recolhemos?Nu e te vestimos? Ou quando te vimosEnfermo ou na prisão e fomos visitar-te?Na verdade vos digo que todas as vezes em que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.Mateus, 25

Zilda Arns é um dos justos, um dos benditos do Pai, que o Senhor convocou para possuir o reino que está preparado para eles, desde a criação do mundo. Sua vida de amor ao próximo é um exemplo inigualável. Sua morte numa missão humanitária e em um ambiente sagrado é um daqueles sinais da presença do Divino na vida das pessoas, ininteligível às mentes laicas, mas claramente discernível para uma pessoa com a espiritualidade de que era dotada.

Nada de elogioso que se disser da imensa contribuição que deu aos seus semelhantes, às crianças, aos desválidos e ao nosso país será exagerado ou despropositado. Zilda Arns aliou, em sua vida unicamente voltada para o próximo, uma fé profunda Naquele cujos desígnios estão além de nosso conhecimento, a uma fé igualmente profunda na capacidade dos indivíduos de mudarem a própria vida. Em tudo, encontrou formas de estimular e fortalecer os seus semelhantes, até na provação suprema que o Senhor lhe reservou de ter de enterrar dois filhos.

Tive o privilégio de conhecê-la em 1987, quando acompanhou dom Geraldo Majella Agnelo, então bispo de Londrina em uma visita à Secretaria de Educação que eu ocupava. A visita havia sido organizada por Flavio Arns, outra figura humana singular na sua grandeza e firmeza moral, que dirigia nossa área de educação especial, para que eu me familiarizasse com a Pastoral da Criança, que havia nascido três ou quatro anos antes em Florestópolis. Encantei-me de imediato com a simplicidade elegante da proposta de ação direta, lastreada num conhecimento técnico profundo da pediatra e sanitarista, mas despida da pomposidade pedante com que a maior parte dos nossos chamados cientistas sociais aborda os problemas concretos da vida dos indivíduos. Doutora Zilda não perdeu tempo com metafísicas estéreis e com divagações lacrimosas a respeito da pobreza, de suas mazelas e da injustiça das sociedades capitalistas e da economia de mercado. A exemplo do personagem de Jean Cocteau, que não sabia que uma determinada coisa era impossível, e assim foi lá e fez, ela colocou mãos à obra, temperando ciência com amor para vencer dificuldades e incompreensões para mudar a realidade sombria que encontrou.

Os resultados estão à mostra. Quando a Pastoral começou seu trabalho em Florestópolis, a cidade apresentava um índice de mortalidade infantil sinistro, de quase 130 crianças por mil nascidos vivos. O Brasil patinava na faixa das 70 crianças mortas por mil nascimentos. Hoje, os índices da cidade e do país estão na casa dos 22 óbitos, o que ainda não é motivo de comemoração pois mais de 120 países têm números melhores, mas apresentaram uma melhora dramática. Nessa evolução, a contribuição da Pastoral da Criança, com a simplicidade do soro caseiro, a ênfase nas práticas de higiene infantil e maternal e no desenvolvimento comunitário foi fundamental. A conta é fácil: nascem no Brasil anualmente3,2 mil crianças por ano. Dessas, se continuássemos com os índices do final dos anos setenta, 272 mil morreriam. Agora, essa conta macabra seria reduzida para 74 mil vidas perdidas.

Zilda Arns é uma daquelas pouquíssimas pessoas que podem chegar ao final de sua vida terrana com a certeza de haver mudado para melhor o mundo em que viveu. E assim, atender ao convite do Senhor para possuir o reino que Ele preparou para os justos.

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Bemiro Valverde Jobim Castor é pofessor do Doutorado em Administração da PUC-PR.

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