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Imagem ilustrativa.| Foto: Evaristo Sá/AFP

Durante a ditadura – sim, tivemos ditadura –, o clamor legítimo e justo da sociedade era por eleições livres e diretas em todos os níveis de governo. A democracia tinha de ser conquistada e, a partir desse patamar, a crença era de que nossos problemas seriam enfrentados e teríamos governantes eleitos preocupados em apresentar propostas consistentes para retomarmos o desenvolvimento e diminuir as brutais desigualdades sociais.

Essa missão, sabíamos, não seria nada fácil. Saímos do bipartidarismo (situação e oposição) e foi se ampliando o espectro partidário, na expectativa de termos partidos estruturados em torno de programas de governo que seriam defendidos nas eleições.

Essa visão cartesiana demonstrou, na verdade, ser uma quimera. Programas de governo, na maioria das vezes, são meras peças retóricas, plenas de chavões sem qualquer cuidado com a definição de recursos orçamentários, como se estes não fossem finitos. Os partidos políticos se multiplicaram, atrás dos recursos públicos do Fundo Partidário, que aumentam, aprovados em tramitação legislativa sempre célere.

Todo governo tem de montar sua base de apoio e os partidos vão formando blocos, alguns sempre firmes no propósito de serem fiéis ao poder, pouco importa quem assuma o Executivo. Cargos devem ser distribuídos e a competência técnica e a ética não são consideradas.

Assim, as promessas de campanha são esquecidas no dia seguinte da eleição e a distância entre representantes e representados só aumenta, afetando a credibilidade do processo democrático. Quem prometia mudar “tudo que está aí” passa, sem qualquer pudor, a agir da mesma forma que tanto criticava. A política invertebrada domina a cena.

O impacto dessa anacrônica situação é profundo. Com o término do processo eleitoral já começa a se discutir como se posicionar para a próxima, demonstrando que o meio passou a ser o fim.

O mundo político parece girar em torno dos próprios interesses e a aprovação de urgentes reformas vai sendo empurrada, com o temor de afetarem o cacife eleitoral. Reforma administrativa só pode surtir efeitos na próxima década. A tributária, diante da complexidade e a dificuldade de se encontrar um mínimo consenso, vai sendo mitigada. A reforma política, de grande importância para reestruturar os partidos políticos e revitalizar o protagonismo no poder, é solenemente esquecida.

No âmbito do dever ser, após a eleição o governo assume suas responsabilidades, o ônus e o bônus das necessárias decisões e não deve almejar só manter o poder, que deixa de ter sentido ao priorizar o próximo escrutínio e não a execução das ações necessárias.

E assim avançamos rumo ao atraso, perdendo oportunidades e, com a trágica pandemia, a população, especialmente de baixa renda, afunda no desespero.

É verdade que o político é sensível aos humores do seu eleitorado e tem um aguçado sentido de sobrevivência, mas o momento dramático que vivemos exige que seja superado o círculo restrito dos seus seguidores. A postura de estadista deve ser incentivada, ir além da próxima eleição. Será que é esperar demais?

É inegável a importância da política, todos dependem do seu exercício, que deve ser eficaz e sintonizado com a busca de soluções para o país, otimizando os recursos públicos e definindo prioridades voltadas para o estímulo do desenvolvimento social e econômico.

Esse universo paralelo que parece viver o mundo político, e que desanima qualquer um que avalie com mais critério o cenário nacional, não pode persistir. Choramos centenas de milhares de mortos e, com o colapso da estrutura da saúde em todo o país, estamos perdendo o que retratou o grande musical da década de 70 Brasileiro Profissão Esperança.

Está mais que na hora de termos os políticos demonstrando indignação e se dedicando a realizar um efetivo programa de salvação. A pandemia vai passar e, aprendendo com a tragédia, devemos avançar com as necessárias reformas, ainda que não agradem a todos (o que é impossível).

Vamos deixar que a eleição avalie, no momento oportuno, quem efetivamente se dedicou a enfrentar os enormes problemas que temos. Utopia? Talvez, mas o certo é que não podemos mais suportar tanto desrespeito com o sofrimento de todos. Sem postergar as necessárias medidas, o que se espera dos dirigentes eleitos é que governem!

Termino com o poeta que, na década de 80, perguntou, em um clássico da música brasileira, “que país é esse?” A resposta, com certeza: não é esse o Brasil que merecemos.

Edson Luiz Vismona é advogado, presidente do Instituto Etco e do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), e foi secretário da Justiça e Defesa da Cidadania do estado de São Paulo.

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