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Benett

Elie Wiesel morreu no dia 2, com 87 anos, e o que fica conosco são suas memórias. Muito tem sido dito e escrito sobre ele, mas ainda há muito a ser falado e documentado sobre Wiesel, que, depois de sair dos horrores de Auschwitz e Buchenwald, dedicou-se a perpetuar a memória dos milhões de judeus assassinados no Holocausto.

Conta-se de Wiesel que, então jovem e recém-formado jornalista, e sobrevivente da Shoah, teve por tarefa entrevistar um eminente ministro francês, representante da intelectualidade católica dos anos 50. O repórter observava o crucifixo na parede do gabinete do ministro enquanto esperava. Após a entrevista, comentou com o ministro sobre o martírio e morte daquele homem na cruz. Disse Wiesel que milhões de judeus, como Jesus, também tinham sido mortos recentemente pelo nazismo, mas pouco se falava deles. Para o jovem, tal silêncio era como se houvesse um desejo de apagar da memória europeia o acontecido com seus irmãos judeus na Segunda Guerra Mundial. Disse-lhe o ministro: “Não se cale. Conte o que viu para que não seja esquecido pelo mundo. Fale o quanto puder”.

A indiferença parece ter sido o sentimento mais perverso àqueles que passaram pelos campos de concentração

Foi assim que Wiesel, que perdera toda a família nos crematórios dos campos de extermínio durante o nazismo nos anos 40, passou a escrever e a contar a história da morte de seus companheiros de infortúnio. Em 1955, lançou seu primeiro livro, Noite, relato da sua experiência num campo de concentração.

O sobrevivente viveu, talvez, um dos piores sentimentos que um ser humano poderia conhecer: a indiferença. Manifestou isso numa das suas frases célebres: “O oposto do amor não é ódio, é a indiferença. O oposto de arte não é feiúra, é a indiferença. O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença. E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença”. A indiferença parece ter sido o sentimento mais perverso àqueles que passaram pelos campos de concentração. Assim como Wiesel, Viktor Frankl, Primo Levi e Emanuel Levinas escreveram suas experiências sobre essa indiferença.

Durante sua vida, Wiesel, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, foi um homem de consciência e ativista dos direitos humanos. Clamou por justiça não somente aos judeus, mas também reclamou pelas mortes em outros campos de extermínio, como as de ciganos e testemunhas de Jeová. Em 1985, demoveu o ex-presidente Ronald Reagan de visitar um cemitério militar na então Alemanha Ocidental onde estão enterrados soldados das Waffen-SS. Wiesel disse: “Não é o seu lugar. Seu lugar é com as vítimas da SS”. E, em 1993, virou-se para o ex-presidente Bill Clinton, na abertura do Museu Memorial do Holocausto, em Washington, dois anos antes do genocídio em Srebrenica, e disse: “Estive na Iugoslávia e não consigo dormir com o que vi. Temos de parar o derramamento de sangue naquele país!”

Em 2001, Wiesel veio ao Brasil. Foi condecorado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, recebendo a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco.

Com a morte de Wiesel perde-se uma das mais significativas testemunhas do Holocausto. A voz expressiva calou-se, mas o que contou nos seus livros sobre a barbárie e a sobrevivência é legado para a nossa e as futuras gerações. Deixa-nos a lição de que o ódio alimentado por diferenças raciais, religiosas e culturais só promove a desumanização, a intolerância e o horror.

Antonio Carlos Coelho é professor e presidente do Instituto Cultural Judaico Brasileiro Bernardo Schulman. Szyja Lorber é jornalista e professor.
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