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Um tema recorrente no Brasil tem sido a necessidade da convocação de uma assembléia constituinte para promulgar uma nova Constituição. As justificativas para isso são várias e vão desde a tradicional desculpa de que em virtude da Constituição de 1988 o país é ingovernável até o argumento de facilitar a implementação de mudanças necessárias no sistema jurídico brasileiro.

O pleito por uma nova assembléia constituinte é bastante preocupante, especialmente pelas justificativas que têm sido apresentadas. De fato, governar com responsabilidade e sujeito a controles não é tarefa simples. Muito mais fácil é não ter, no exercício do poder, qualquer das restrições impostas pela Constituição.

Atualmente já existem 53 emendas na Constituição, todas implementadas sob argumentos semelhantes. Poucas foram benéficas aos cidadãos. Em todas, contudo, um núcleo fundamental permaneceu intocado: o pacto federativo de Estado, o direito ao voto secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. Essas matérias não foram tratadas por emendas porque a própria Constituição Federal – no parágrafo 4.º de seu artigo 60 – impede a apreciação de emendas tendentes a abolir algum desses elementos essenciais à configuração do Estado brasileiro.

Uma nova assembléia constituinte, no entanto, não teria qualquer restrição em face desses aspectos, porque os poderes dessa assembléia não sofreriam quaisquer limitações jurídicas. Corre-se, portanto, o risco de perder todas as conquistas obtidas pelo cidadão brasileiro com a promulgação da Constituição de 1988. É nisso que deve pensar o cidadão brasileiro ao ouvir os debates acerca das intenções de se promulgar uma nova Constituição.

A situação é mais grave porque atualmente tornou-se comum atacar o Poder Judiciário e a Constituição Federal. Sobre o primeiro, é certo dizer que poucos sabem como atua. Não conhecem, mas pensam que não presta. Não vêem a dura realidade que faz com que certos juízes sejam responsáveis por julgar milhares de causas. Não percebem que o Poder Judiciário, com os defeitos que inevitavelmente possui, é o único, dentre os três poderes, que confere alguma segurança ao cidadão brasileiro. E, principalmente, não lembram que a ele compete, apesar de todas as dificuldades, garantir o respeito à Constituição.

Sobre a segunda, é correto dizer que poucos a leram, mas muitos pensam que também não presta. Esquecem todos os direitos que essa carta garante aos cidadãos. Proíbe a tortura, garante a liberdade de pensamento, a igualdade entre homens e mulheres, a ausência de distinção entre os filhos, assegura a liberdade de consciência e de crença, protege a intimidade, a vida privada e a honra dos cidadãos, assegura o direito de reunião e a liberdade de associação, protege o direito de propriedade, e assegura o direito de receber informações dos órgãos públicos. O rol de direitos transcritos, apesar de extenso é uma ínfima parte daqueles previstos pela Constituição. Não é a toa que, uma vez promulgada, foi intitulada de "Constituição Cidadã".

Convocar uma nova assembléia constituinte significa arriscar todos esses direitos. Não é hora de uma nova Constituição. É hora de dar efetiva aplicação à Carta que hoje se tem. É preciso defender o texto atualmente em vigor do mesmo modo que foi feito quando ele surgiu, em outubro de 1988, para defender os direitos do cidadão. Naquele momento o cidadão precisava de ajuda. Agora, quem clama por ajuda é a Constituição.

Marcelo Harger é advogado, mestre em Direito do Estado pela PUC-SP e coordenador do curso de pós-graduação em direito administrativo do CESUSC, em Florianópolis.

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