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Como a maioria dos brasileiros, tenho bons amigos tanto no PT quanto no PSDB. Os mais sinceros se meteram em intermináveis debates virtuais tentando mostrar como sua escolha era a melhor, mais racional, realista e voltada ao bem comum. No fim, os argumentos pareciam impotentes diante da paixão e determinação das partes. Nunca se aceitava a lógica e o realismo antagônicos e a conclusão era sempre a de que o outro não era racional e realista.

A impressão era de que nossa razão é incapaz de superar a paixão, que não adianta discutir, porque o posicionamento político é sempre irracional, como reza o senso comum. Mas a pessoa mais racional não é a que elimina sua paixão, e sim aquela que sabe que sua paixão, assim como a paixão do outro, é parte da totalidade dos fatores que formam o real.

Só há um modo de vencer os monstros, dizia o minotauro de Cortázar a Teseu: acreditar neles. Só há um modo de superar a tendenciosidade de nossas opções políticas: compreender que as opções de cada um são fruto de uma análise racional que parte de experiências de vida diversas, nas quais os fatores da realidade se apresentam de modo único para cada um de nós.

Essa linha de pensamento poderia nos levar a concluir que cada um tem a sua verdade – e não se fala mais disso. Mas tal conclusão é insuficiente quando se trata de construir o bem comum. Se cada um tiver a sua verdade e não for possível um entendimento racional entre quem pensa diferente, o único critério de decisão será a força, e toda estratégia para tomar o poder será válida. A força e o poder serão os únicos critérios a nos orientar – e ai dos fracos, dos sinceros e dos bem intencionados, pois não haverá espaço para eles no mundo.

O diálogo e o debate racional, numa sociedade radicalmente plural como a nossa, só poderão superar os limites da paixão e a arbitrariedade do poder se partirem de nossa empatia para com o outro, de procurarmos compartilhar as vicissitudes e as paixões uns dos outros – mesmo sabendo que seremos sempre um mistério insondável de uns para os outros. A razão precisa do amor e da fé (e a fé sem amor se torna autoconvencimento) para reconhecer o outro, para ter coragem de sair da segurança dos próprios esquemas ideológicos e adentrar as águas incertas do real.

Para muitos, esse discurso poderá parecer de um idealismo ingênuo. Pensam que a política é apenas o campo do poder e não do ideal, determinada pelos jogos de interesse e não pelo desejo de bem que reside no coração do homem. Em nosso íntimo, sabemos que este desejo de bem existe. Mas, armadilha do poder, queremos o bem e nos esforçamos por ele sem acreditar que aquele que pensa diferente esteja disposto ao mesmo esforço.

A história está cheia de erros que aconteceram porque esquemas ideológicos separaram pessoas bem intencionadas. O peso da ideologia e a ilusão do poder levaram muitas pessoas bem intencionadas a não se aliar a outras pessoas tão idealistas quanto elas e entrar em alianças fisiológicas nas quais interesses particulares superaram o bem comum. Mas também encontramos aquele momento em que, pelo contrário, a necessidade comum e o desejo de bem falaram mais alto, em que os diferentes se uniram, em que o poder e a ideologia não dividiram as pessoas.

Saímos destas eleições como uma nação dividida, onde cada um precisa encontrar no outro o mesmo idealismo que o move. Tarefa difícil, mas que em todos os tempos constrói o futuro nos subterrâneos da história.

Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

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