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Enquanto o mundo olha para a Europa, a China acelera a preparação para o avanço em Taiwan
| Foto: Wikimedia Commons

A crise geopolítica do leste europeu está concentrando a atenção de todos os analistas internacionais; porém, para se ter maior compreensão da realidade da política internacional, é importante que se tenha em mente que a Ásia possui um papel preponderante na atual conjuntura. As relações entre China e Taiwan, bem como o desenvolvimento de todo o quadro asiático, são fundamentais para o entendimento a respeito da nova ordem mundial que busca solapar a Ordem Liberal Internacional.

O início do século 21 trouxe uma mudança fundamental no modo de inserção internacional da China, uma vez que o país passou a adotar uma postura mais nacionalista nas relações internacionais. Depois de ter sofrido muitas pressões do Ocidente, por causa do Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, a China conseguiu se reorganizar e, com o crescimento econômico, viu a oportunidade de fazer com que seus objetivos de longo prazo começassem a ser implementados.

Em um primeiro momento, durante o governo de Hu Jintao, a estratégia de atuação da China nas relações internacionais foi o estabelecimento de uma postura de não confrontação aos Estados Unidos da América. Com isso, Pequim passou a buscar atuar nos foros multilaterais de forma mais intensa, desejando aproveitar-se das fraquezas do liberalismo e, consequentemente, fortalecer-se. Assim sendo, em 2001 a China entra na Organização Mundial do Comércio e consegue ter acesso aos mercados do mundo inteiro. Além disso, por causa da debilidade do liberalismo, que se articula em função de leis de mercado, a China ganhou um status jurídico provisório, fazendo com que ela não tivesse de conceder aos princípios da OMC.

Os liberais ocidentais tinham como objetivo trazer a China para dentro da OMC para que houvesse um aprofundamento na interdependência e, com isso, fazer com que a China, em algum momento, tivesse de abrir o seu regime político. Os teóricos das relações internacionais Joseph Nye e Robert Keohane apregoam que, com a globalização, os países mais “nacionalistas” precisam aderir aos princípios democráticos, uma vez que a ascensão de uma classe média forçaria por mudanças. Esse é um dos tentáculos daquilo que vem a ser a estratégia globalista: propagar regimes democráticos liberais, com Constituições abertas, para que haja a possibilidade de perverter a sociedade.

O empecilho para os globalistas (leia-se ONU, OMC e União Europeia), no entanto, é que o Partido Comunista Chinês não tem pensamento de curto prazo, como é típico no Ocidente atual. Consequentemente, enquanto os globalistas acreditavam que conseguiram fazer uma mudança de regime, Hu Jintao soube como preparar as organizações internacionais para, paulatinamente, mudar a ordem internacional e, com isso, fazer com que o liberalismo fosse solapado por meio de uma mudança no quadro geopolítico nas relações internacionais. A crise de 2008 serviu como um elemento que propiciou o avanço da agenda chinesa, já que o Ocidente ficou debilitado economicamente.

A partir de 2008, o que se notou foi o crescimento de diversas iniciativas no sentido de criar instituições que não estivessem sob o controle dos globalistas. Isso pode ser notado na criação dos Brics, na Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) e, mais recentemente, na criação do Novo Banco de Desenvolvimento e do Acordo de Contingência de Reservas. Esses últimos têm como fundamento solapar a legitimidade do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, ambos dentro do guarda-chuva da ONU. Assim sendo, nota-se que a China é um ator revisionista das relações internacionais e sabe que os Estados Unidos da América precisam ser vencidos no tabuleiro.

Em 2013, Xi Jinping assume o comando da China e aumenta a velocidade do processo de consolidação do regime. Nesse sentido, o que se observa é que o Partido Comunista Chinês não sucumbiu à ascensão de uma classe média no país – pelo contrário, conseguiu garantir maiores mecanismos de controle. Aqui, pode-se notar uma falha fundamental do pensamento liberal: não há uma tendência natural à democracia e, tampouco, todas as nações pensam apenas em termos econômicos. Para garantir o processo de desenvolvimento do projeto chinês, Xi Jinping se colocou em uma posição de grande líder do partido, bem como realizou expurgos para limpar a política chinesa.

Esse é um dos tentáculos daquilo que vem a ser a estratégia globalista: propagar regimes democráticos liberais, com Constituições abertas, para que haja a possibilidade de perverter a sociedade.

A partir do momento em que Xi Jinping passa a ganhar maior protagonismo e a China continua com o processo de crescimento nas relações internacionais, o entorno regional torna-se mais instável. É nesse cenário que é importante compreender quais são as relações entre China e Taiwan. Desde 1949, o Partido Comunista Chinês controla o continente e o Kuomintang, partido nacionalista chinês, governa Taipé. Os dois governos se dizem verdadeiros representantes de toda a tradição chinesa e que, portanto, um deles é um impostor.

Entre 1949 e 1972, a postura do Ocidente, em um contexto de Guerra Fria, foi se colocar como defensor do Kuomintang e não reconhecer o governo estabelecido em Pequim. No entanto, na década de 1970, nos Estados Unidos, houve uma mudança de postura, fazendo com que o governo americano reconhecesse o Partido Comunista Chinês e o colocasse no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS). Tudo isso foi encabeçado pelo secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, um dos grandes intelectuais do globalismo. O objetivo de Kissinger era bem claro: ampliar o comércio, gerar interdependência, evitar que houvesse uma nova Guerra do Vietnã na região.

A partir da década de 1970, então, o Ocidente consolidou a chamada One China Policy, ou seja, a posição de que não há duas Chinas, mas uma somente. No entanto, os Estados Unidos da América não abandonaram Taipé e estabeleceram acordos militares de segurança, uma vez que a ilha é fundamental para a estratégia de defesa americana, já que pode impedir que a China tenha avanço livre no Oceano Pacífico. Pode-se dizer que os EUA queriam aproveitar uma oportunidade e, concomitantemente, garantir uma segurança em caso de problemas.

Entre 1970 e 2013, o governo de Pequim, por conta de sua estratégia de inserção internacional, não atuou para invadir a ilha de Taiwan. Porém, à medida que a Ordem Liberal Internacional mostrava os sinais de enfraquecimento e que o Conselho de Segurança das Nações Unidas não consegue sair da letargia, a China passou a atuar com maior energia na região. Com isso, os momentos de tensão passam a ser mais comuns, levando a região do Mar do Sul da China a se tornar um dos locais de maior instabilidade nas relações internacionais.

No início do governo de Xi Jinping, o orçamento militar foi aumentado, principalmente nos investimentos da Marinha. Como exemplo, pode-se citar a grande preocupação na construção de grandes porta-aviões para conseguir ter autonomia no Mar do Sul da China. Além disso, a China passou a ocupar ilhotas estratégicas na região, como é o caso das ilhas Spratly, Paracels e Senkaku. A China quer marcar posição nessas ilhas para aumentar o território para a construção de bases navais, ampliar sua Zona Econômica Exclusiva e cercar Taiwan. Tudo isso faz com que a China, ao fim de seu projeto de expansão, consiga neutralizar os Estados Unidos na região e, ao mesmo tempo, se consolidar como a grande potência na Ásia.

O aumento da presença militar chinesa no Oceano Pacífico fez com que dois grandes aliados dos Estados Unidos passassem a buscar formas autônomas de se defenderem. O Japão faz uma alteração importante na Constituição que lhe permite, agora, possuir armas de ataque. Já a Coreia do Sul estabeleceu um escudo antimísseis para garantir que as ameaças de Pequim e de Pyongyang não peguem Seul de surpresa. Nesse sentido, o que se pode notar é que os países do entorno regional estão aumentando os recursos de guerra, uma vez que observam os interesses imperialistas de Xi Jinping.

Mais recentemente, no governo de Donald Trump, os Estados Unidos buscaram evitar que estragos maiores ocorressem. Nesse sentido, Trump queria evitar que a tecnologia 5G chinesa penetrasse nos EUA e, com isso, garantir uma posição nacionalista. No entanto, Trump sabia da necessidade de não cair em provocação de Xi Jinping e evitar conflitos. A mudança de governo nos EUA, com Joe Biden, faz com que a tensão aumente, uma vez que o Partido Democrata sabe que a vitória de Pequim representa o fim da Ordem Liberal Internacional. Assim sendo, a confrontação é uma possibilidade mais plausível.

Dentro desse contexto, a China está consolidada para tomar medidas que vão no sentido de conquistar Taiwan. O Ocidente, por outro lado, está em um momento de grande fraqueza com o avanço das pautas indenitárias, enfraquecimento dos nacionalismos, grande apostasia e perda dos fundamentos que sedimentaram a civilização ocidental. Como conclusão, podemos ver que, ao longo desses últimos 40 anos, a China vem se preparando para uma guerra, enquanto o Ocidente era massacrado pelos globalistas que, agora, notam que o liberalismo agoniza em seus momentos de maior exaustão.

Rodrigo Müller do Valle, bacharel em Relações Internacionais, é professor de História, Política e Relações Internacionais, assessor na Secretaria de Estado de Planejamento de Projetos Estruturantes no Paraná, palestrante e escritor.

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