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Equilíbrio tributário e justiça fiscal: um caminho além do populismo

Proposta de isenção do Imposto de Renda aprovada pela Câmara irá aliviar o bolso de alguns contribuintes e apertar de outros.
Proposta de isenção do Imposto de Renda aprovada pela Câmara irá aliviar o bolso de alguns contribuintes e apertar de outros. (Foto: Imagem criada utilizando Dall-E/Gazeta do Povo)

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A Câmara dos Deputados aprovou, em 1º de outubro de 2025, o Projeto de Lei 1.087/2025, que elevou a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física até R$ 5 mil e instituiu uma tributação mínima para rendas muito elevadas. O texto recebeu 493 votos favoráveis e agora seguirá ao Senado. Desde o início das discussões, apresentei emendas com a convicção de que a justiça tributária exige diferenciar renda disponível de valores que não configuram ganho patrimonial. Defendi a exclusão de três grupos da base do Imposto de Renda mínimo: fundos de investimento em infraestrutura (FIP-IE), indenizações de seguros de vida e planos de previdência com cláusula de sobrevivência. Embora rejeitadas, parte da lógica foi considerada, como na dedução das taxas arrecadadas por cartórios e repassadas ao Judiciário.

Houve avanço, mas o problema central continua – a ausência de um mecanismo automático de atualização da tabela do imposto. Essa foi uma das minhas propostas, recusada sob alegação de impacto fiscal. Sem correção anual, a inflação corroerá rapidamente o ganho e milhões voltarão a pagar como antes. Outro ponto negligenciado foi a participação nos lucros e resultados, além da proteção a rendimentos de natureza indenizatória, como seguros de vida e previdência complementar. Também ficaram de fora medidas que poderiam aliviar despesas familiares com medicamentos de alto custo. O alívio aprovado existe, mas é parcial e sujeito a retrocessos.

O Parlamento precisa ir além do populismo fiscal e construir um sistema estável, previsível e coerente com a realidade nacional

A isenção até R$ 5 mil trouxe alívio imediato a trabalhadores e a redução até R$ 7.350 corrigiu um degrau injusto da tabela. Contudo, à medida que se aproxima desse limite, o imposto volta a crescer, revelando uma contradição. É uma correção parcial, mas que cria outra distorção.

A compensação recaiu sobre cerca de 141 mil contribuintes de alta renda, com alíquota mínima de até 10% sobre rendimentos anuais acima de R$ 600 mil. Isso caracteriza bitributação, pois são valores já tributados na pessoa jurídica. Embora vendido como justiça social, enfraquece a capacidade de investimento produtivo.

Essa proposta carrega viés populista. O governo a apresenta como ampla conquista, mas omite que 53,6% da população recebe até três salários-mínimos, parcela já pouco afetada pela tabela do Imposto de Renda. O alcance anunciado é inflado, transformado em propaganda, com o Executivo se colocando como “pai protetor” e deslocando a conta para quem investe e gera empregos. Esse modelo arrisca criar uma sociedade de castas – de um lado, os que dependem cada vez mais do Estado; de outro, os que produzem e são penalizados. Esse caminho fragiliza o tecido social, mina a ética do trabalho e desestimula o investimento.

Defendo que justiça tributária se aproxima da lógica do dízimo – 10% de mil é 100; 10% de 100 mil é 10 mil. Todos pagam na mesma proporção, sem distorções. Hoje, o trabalhador de baixa renda suporta carga maior em proporção ao seu esforço, principalmente no consumo, enquanto brechas permanecem abertas. Não havia como votar contra, pois seria injusto com o trabalhador que esperou mais de uma década pela correção da tabela. Mas nosso dever é denunciar o populismo que transforma medidas parciais em espetáculo eleitoral.

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A votação foi uma vitória parcial. Não se trata de negar avanços, mas de recusar a retórica que confunde alívio imediato com reforma estrutural. A Câmara deu o primeiro passo; caberá ao Senado corrigir o texto para que a tabela seja atualizada anualmente, a Participação nos Lucros e Resultados, a previdência e os seguros de vida tenham tratamento justo, e Estados e Municípios tenham suas receitas compensadas de forma clara.

A aprovação representou um avanço, mas não encerra o debate sobre Imposto de Renda. O Parlamento precisa ir além do populismo fiscal e construir um sistema estável, previsível e coerente com a realidade nacional. Esse é o caminho que defenderei – um modelo tributário que respeite o contribuinte, preserve o equilíbrio federativo e assegure segurança jurídica ao país.

Luiz Ovando é deputado federal (PP/MS).

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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