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Artigo

Escola sem Partido, terrivelmente inconstitucional

O advogado Miguel Nagib, do Escola sem Partido, na Câmara dos Deputados, em 22 de fevereiro de 2017. (Foto: Gilmar Felix | Câmara dos Deputados.)

“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”, diz o artigo 19 da Declaração dos Direitos Humanos. O dia 16 de setembro de 2019 ficará marcado como um dia histórico na Assembleia Legislativa do Paraná. Por 27 votos contrários e 21 a favor, o plenário derrotou o projeto da Escola sem Partido. Foi uma decisão acertada, porque o projeto é terrivelmente inconstitucional e ilegal.

Entre outras deturpações, o projeto previa que cartazes fossem colocados nas escolas públicas e privadas do Paraná, determinando limites que não poderiam ser ultrapassados pelos educadores para evitar o doutrinamento ideológico por parte de professores em salas de aula. Uma proposta obscurantista e retrógrada, digno de um Estado de exceção.

A liberdade de ensinar e o pluralismo de ideais constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição

Desde que o projeto de lei foi apresentado, fui um firme opositor da proposta. Como deputado, defendo a Constituição e o projeto é flagrantemente inconstitucional. A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 22, que é competência privativa da União dispor sobre diretrizes e bases da educação nacional. A liberdade de ensinar e o pluralismo de ideais constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição. Compete exclusivamente à União dispor a seu respeito. O estado não pode nem sequer pretender complementar essa norma, deve se abster de legislar sobre o assunto.

A proposta contraria princípios legais, políticos e pedagógicos que orientam a política educacional brasileira, que no processo de consolidação da democracia apontam para autonomia dos sistemas de ensino na elaboração dos projetos político-pedagógicos, a liberdade de ensinar e aprender, o pluralismo de ideais e concepções pedagógicas, a gestão democrática da escola, a valorização da diversidade humana e a inclusão escolar.

O cerceamento do exercício docente fere a Constituição ao restringir o papel do professor, estabelecer censura a determinados conteúdos e materiais didáticos, além de proibir o livre debate no ambiente escolar. Seria um enorme retrocesso se tivesse sido aprovado. Instituições como o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), o Ministério Público Estadual e o Conselho Estadual de Educação também se manifestaram publicamente contra a proposta. Foram unânimes em rejeitar a constitucionalidade do projeto, que fere a liberdade de ensino. Além disso, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inconstitucionalidade em todas as ações diretas contra projetos similares a esse. Foram suspensas as aplicações desse tipo de lei.

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Pesquisei na Ouvidoria da Secretaria de Estado da Educação os atendimentos realizados referentes ao tema “doutrinação”. No Paraná temos 2.143 escolas, 35 mil turmas, 100 mil professores e aproximadamente 1 milhão de alunos. Somente neste ano letivo já foram ministrados 22 milhões de aulas. De fevereiro a agosto deste ano, a Ouvidoria recebeu 15.690 registros de reclamações. E quantas foram as queixas sobre “doutrinação”? Trinta e quatro queixas, ou 0,0001%. É um porcentual absolutamente irrisório e que comprova que o ambiente escolar no Paraná não é de doutrinação ou permissividade.

A escola é, por natureza, um ambiente essencialmente político, assim como todas as nossas relações também são políticas. Não é um espaço da doutrinação política e nem religiosa. A escola é laica, e é também política. Não é política partidária. É um espaço para a disseminação do pensamento crítico. Os deputados estaduais do Paraná reconheceram que o ambiente escolar do Paraná é um espaço de amor, de respeito, de acolhimento, de reconhecimento das diferenças, um ambiente absolutamente plural de pensamento e liberdade.

Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em Gestão Urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado estadual pelo PSB.

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