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O romancista William Styron usou o terror nazista para criar o dilema contemporâneo mais pungente, verdadeiramente trágico, irremediável: a prisioneira só pode escapar com um dos dois filhos, escolhe um – o mais forte – que desaparece.

"Escolho, logo existo" poderia ser uma versão extremada do manifesto cartesiano no lugar de "penso, logo existo". Viver é, na realidade, um encadeamento de opções, nem todas tão drásticas quanto as da polonesa Sofia que no fim se suicida. Caso de Hamlet espremido pela dúvida "ser ou não ser" que ocorre no plano existencial e moral não necessariamente funesto. Sem a premência do tempo, diante de um leque maior de alternativas, manifestar preferências pode ser um exercício estimulante, desafiador.

Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, teve meses para escolher os 23 melhores jogadores para representar o Brasil na Copa do Mundo da África do Sul. No Nordeste brasileiro dunga significa exímio, valentão, mandão. A terra e a biografia de Nelson Mandela aparentemente não inspiraram nosso escolhedor-mor e, ao contrário do estadista que apostou na conciliação, elegeu um esquema fechado, burocrático, baseado em noções vagas e ao mesmo tempo absolutistas – quase totalitárias – como patriotismo e comprometimento. A disciplina como valor superior, indiscutível, sobrepôs-se à crença na capacidade humana de regenerar-se e superar-se.

As escolhas deste dunga chamado Dunga transbordaram do universo desportivo, não apenas porque cada brasileiro (e brasileira) é potencialmente um técnico de futebol, mas porque, ao contrário do que previam inicialmente os colunistas políticos, a Copa acabou por desembocar na campanha eleitoral e nas questões de Estado.

Preteridos e seus admiradores não se resignaram nem se calaram, arriscando confrontar o ego e as suscetibilidades do selecionador que eventualmente estará na mesma função em 2014.

Muito contribuiu para essa efervescência o lapso freudiano cometido pelo presidente Lula que não conseguiu reprimir o lado torcedor e ao dar um palpite em favor do técnico da CBF confundiu o curto apelido com o ainda mais curto sobrenome do secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Jr. envolvido em sérias denúncias da Polícia Federal.

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, também cometeu lapsos freudianos que debalde tentava explicar racionalmente. A troca de "Dunga" por "Tuma" é penosa: nada a ver com lisura mas possivelmente com decepção e desapontamento. Lula, o otimista, teria incluído o faltoso Adriano. O eufórico político que aposta todas as fichas no aqui e agora não deixaria para mais tarde os novatos Neymar e Ganso.

A última escolha de Lula antes de embarcar para a Rússia e o Irã contrariou frontalmente os critérios de Dunga e não foi menos calamitosa. Dunga radicalizou seus obsessões, Lula maximizou suas apreensões. E entregou os pontos. A vexatória capitulação do governo em todas as questões cruciais do 3.º Programa Nacional de Direitos Humanos só tem uma explicação e maquiavélica: desmoralizar os críticos.

A Igreja pretendia manter a pressão para a investigação das violências cometidas durante o regime militar (cruzada sua), engoliu-a em troca do recuo do governo na questão do aborto, união civil de homossexuais e exibição de símbolos religiosos em prédios públicos. A mídia era sensível à apuração das violências cometidas durante a ditadura mas calou-se porque o governo abandonou a doutrina estabelecida pelo 2.º PNDH (de FHC) onde a baixaria televisiva era considerada violação dos direitos humanos. Os ruralistas revoltaram-se contra a mediação de conflitos agrários, o governo atendeu-os.

A rendição, como todas, teve o amargo sabor de derrota. E apesar disso, nenhum dos pré-candidatos e nenhum grupo de pressão política terá condições para mobilizar-se contra o vexame. Escolha inusitada: ninguém ganhou, todos perderam. De goleada.

Alberto Dines é jornalista

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