• Carregando...
Esquerda, democracia e o “recall” de mandatos
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Na literatura marxista há uma relação entre o nível de participação das pessoas na política e a transformação social: quanto mais pessoas participando da conquista do poder estatal, mais as estruturas sociais, econômicas e políticas poderão ser transformadas.

Mas cabe aos partidos políticos de esquerda o objetivo de criar os meios para que as pessoas participem da estrutura de um mandato político? Antonio Gramsci, marxista italiano, entende que essa é uma função dos partidos políticos de esquerda na democracia burguesa. Destaca-se, ainda, que Karl Marx não elaborou um estudo sobre a teoria da democracia.

Entretanto, na democracia burguesa, a população não tem o controle dos políticos eleitos, porque, após os parlamentares conquistarem um mandato, só podem sofrer a cassação de seus mandatos pelas mãos de seus pares. No caso do Executivo, somente o impeachment do presidente o retira do poder. Ao eleitor, restaria não votar mais no candidato ou protestar contra ele ao longo dos quatro anos.

Fiscalizar e possibilitar que os eleitores interfiram na rotina do parlamento poderia ser um ato de grandes mudanças sociais

Uma proposta interessante é o recall, a “reavaliação do cargo”. A Constituição venezuelana de 1999, no seu artigo 72, prevê o recall no meio do mandato parlamentar. Ele também foi uma prática no Brasil Império e no início da República. É a forma que a população tem de reiterar ou não seu apoio ao parlamento ou ao presidente.

Essa medida poderia fazer com que as propostas ou acordos feitos na campanha eleitoral fossem concretizados no mandato. Talvez um recall evitasse o impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016. O recall é um recurso político menos traumático e mais democrático que um impeachment.

A questão é que a apatia política da sociedade ocorre pela falta de possibilidade de mudar o parlamento, mesmo quando o Legislativo não trabalha em prol da sociedade que o elegeu. Fiscalizar e possibilitar que os leitores interfiram na rotina do parlamento poderia ser um ato de grandes mudanças sociais, assim como seria uma transformação na cultura política.

Leia também: Sobre as hipóteses do recall (artigo de Alberto Dines, publicado em 16 de maio de 2015)

Leia também: Ainda sobre a reforma política (artigo de Rodrigo Augusto Prando, publicado em 11 de junho de 2015)

Para o professor Luciano Cavini Martotano, no seu artigo “Democracia burguesa e apatia política”, de 2008, a ação política efetiva da população poderia tornar o nosso regime político realmente democrático. Então, criar ferramentas para a população participar da qualidade da nossa democracia é um ato de transformação da estrutura burguesa de poder. Podemos considerar que um partido à esquerda é aquele que busca criar mecanismos de acesso à população ao controle dos mandatos. O recall, para os eleitores, pode ser o início de uma transformação política à esquerda.

Israel Aparecido Gonçalves, mestre em Ciência Política, é professor do câmpus Santa Bárbara D'Oeste da Uniesp e da Faculdade de Administração e Artes de Limeira (Faal).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]