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A estreia da Seleção brasileira feminina ocorre no próximo dia 24, contra o Panamá.
A estreia da Seleção brasileira feminina ocorre no próximo dia 24, contra o Panamá.| Foto: Thais Magalhães/CBF.

Mesmo com as conquistas, principalmente as individuais, como as da jogadora Marta, e com várias atletas atuando na Europa, o que poderia demonstrar um reconhecimento mundial, o futebol feminino ainda causa estranheza em muitas pessoas, e isso não é só no Brasil. Pesquisa realizada no Reino Unido mostra uma atitude negativa de 68% dos homens em relação ao esporte quando praticado por mulheres.

A meu ver, a alguns fatores que contribuem para isso. Uma delas é a percepção cultural, pois o futebol é visto como um "esporte masculino" e historicamente foi dominado pelos homens. Infelizmente, o preconceito de gênero ainda é muito presente em nossa sociedade. Assim, as pessoas (geralmente homens) podem presumir que as mulheres são inerentemente menos capazes fisicamente e menos capazes de jogar futebol em um alto nível. Além disso, as pessoas podem ter crenças sobre o tipo de comportamento que é "apropriado ou não" para as mulheres. Portanto, o futebol, por ser um esporte que envolve contato físico agressivo, acaba sendo visto como "coisa de homem".

Ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a paridade total com o futebol masculino.

Não se pode deixar de lado também a desigualdade de investimento. O futebol feminino recebe menos investimento do que o masculino, o que pode causar a impressão de que o futebol feminino é de menor qualidade ou menos importante. Os salários e condições de trabalho têm sido muito melhores no futebol masculino do que no feminino. Há mais patrocinadores interessados no futebol masculino do que no feminino. Isso se reflete na falta de visibilidade, com o futebol feminino recebendo menos atenção da mídia do que o futebol masculino. Isso inclui não apenas a transmissão de jogos, mas também a cobertura de notícias e histórias de jogadoras, e pode levar a um ciclo vicioso: a mídia pode justificar sua falta de cobertura, alegando que não há interesse suficiente no futebol feminino, mas sem cobertura da mídia, o esporte tem dificuldade em atrair novos fãs e jogadoras. Ainda assim, há de se reconhecer que o futebol feminino tem uma história muito mais curta do que o masculino. Por exemplo, a primeira Copa do Mundo de futebol masculino foi realizada em 1930, enquanto que a primeira Copa do Mundo de futebol feminino foi realizada mais de 60 anos depois, em 1991.

As críticas à Renata Silveira, a primeira mulher a narrar jogos de futebol da Copa no Brasil, certamente é atravessada por sexismo. Como mencionei anteriormente, o futebol é historicamente dominado por homens, as mulheres que desafiam esse status quo – seja jogando, treinando, comentando ou narrando – ainda enfrentam muita resistência. Mas é importante notar que esses fatores estão mudando e o futebol feminino está se tornando cada vez mais normalizado e respeitado. As conquistas, como as da meia-atacante Marta, eleita seis vezes a melhor do mundo, juntamente com um maior investimento e cobertura da mídia, estão ajudando a mudar as percepções sobre o esporte. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a paridade total com o futebol masculino.

Algo pertinente nesse processo é um fenômeno estudado pela psicologia chamado “viés de confirmação”, que é a nossa tendência de interpretar informações de forma que confirmem as nossas crenças pré-existentes. Aqueles que já acreditam que as mulheres não deveriam narrar jogos de futebol podem interpretar a narração de Silveira de uma maneira negativa, independentemente de seu desempenho real. A psicologia nos ensina que sempre há um elemento de estranheza com aquilo que é novidade, com o desconhecido. As pessoas estão muito mais acostumadas a ver homens jogando futebol e a ouvir vozes masculinas narrando os jogos. Ver uma mulher jogando ou narrando futebol imediatamente é percebido como algo esquisito.

Felizmente, a psicologia também nos dá a solução: a familiaridade surge da exposição. Com o passar do tempo, começamos a normalizar as coisas que experienciamos regularmente. As coisas que são constantes e duradouras em nossa cultura tendem a se tornar os padrões que aceitamos. O futebol masculino tem uma presença constante na cultura, certo? Isso gerou uma familiaridade que torna o futebol masculino um "padrão", aquilo que é o “normal” para muitas pessoas. Quando as mulheres entram em campo – literalmente – ocorre um desvio desse "padrão". Inicialmente, isso causa estranheza, resistência e desconforto. Depois, à medida que as pessoas vão sendo cada vez mais expostas à participação das mulheres no futebol, um novo padrão é construído – o de que o futebol feminino é tão emocionante quanto o masculino.

Jan Luiz Leonardi é psicólogo, formado em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech, dos EUA, com mestrado em Psicologia Experimental pela PUC-SP e doutorado em Psicologia Clínica pela USP. É coordenador do Clube de Excelência em Psicologia Baseada em Evidências.

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