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Santo Agostinho ensinou que “aquilo que não é justo não pode ser lei”. Na imagem, detalhe da versão de Philippe de Champaigne para o santo.
Santo Agostinho ensinou que “aquilo que não é justo não pode ser lei”. Na imagem, detalhe da versão de Philippe de Champaigne para o santo.| Foto: Reprodução

Os abusos tributários praticados pelos britânicos constituíram uma das justificativas para a independência dos Estados Unidos da América, declarada em 4 de julho de 1776. Redigida por Thomas Jefferson (1743-1826) e contando com a significativa colaboração de John Adams (1735-1826), Benjamin Franklin (1706-1790), Roger Sherman (1721-1793) e Robert R. Livingston (1746-1813), a Declaração de Independência dos Estados Unidos incluiu, dentre as acusações contra os arbítrios praticados pela administração colonial do monarca britânico George III (1738-1820), o estabelecimento de impostos sem consentimento.

Em um discurso parlamentar impresso no periódico The London Magazine, em fevereiro de 1768, Charles Pratt (1714-1794), 1º Conde Camden, afirmou que “não há tributação sem representação”. Tal sentença se tornou o principal lema dos insurgentes americanos. A rejeição de impostos sem o consentimento de representantes parlamentares foi uma das inúmeras cruzadas do filósofo e estadista irlandês Edmund Burke (1729-1797), considerado o precursor do conservadorismo, que defendeu os colonos americanos nas obras Thoughts on the Cause of the Present Discontents (Reflexões sobre a Causa dos Atuais Descontentes), de 1770, Speech on American Taxation (Discurso sobre a Tributação Americana), de 1774, Speech on Moving Resolutions for Conciliation with the Colonies (Discurso sobre as Deliberações Propostas para a Conciliação com as Colônias), de 1775 e, finalmente, Address to the King (Discurso ao Rei), de 1777.

A questão do estabelecimento de tributos sem a aprovação de representantes parlamentares também está entre as causas tanto da Revolução Francesa quanto da Inconfidência Mineira, ambas ocorridas no ano de 1789. Dentre os princípios do liberalismo, figuram a defesa do consentimento político por intermédio da representação parlamentar como instrumento para conter os possíveis abusos tributários dos governantes. Tal elemento da doutrina liberal é similarmente defendido por muitos conservadores.

Em seu livro A Política da Prudência, de 1993, o eminente conservador americano Russell Kirk (1918-1993) ressaltou o problema do “crescimento imoderado da tributação, que se transforma no modo de interferência governamental na vida comercial, industrial e social”, ao que ele reconheceu que o aumento da carga tributária, “levada ao limite e para além dele, sempre foi um sinal de decadência e um prelúdio do desastre”. No entanto, além dos fatores políticos, econômicos, sociais e culturais, nossa oposição aos impostos abusivos, tais como os vigentes em nosso país, deve ser orientada pelos princípios morais cristãos.

O próprio Jesus Cristo, ao ser questionado se era lícito aos judeus pagar os impostos aos romanos, afirmou: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22,21). Tal passagem bíblica, contudo, não deve ser utilizada como uma justificativa para o chamado “manicômio tributário” que, atualmente, impera no Brasil. Ao discutir os temas da Lei Natural e da Justiça, inúmeros pensadores trataram de importantes questões sobre os aspectos éticos da tributação.

Na perspectiva de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), nem todo imposto é justo e nem toda evasão tributária deve ser condenada, pois toda deliberação governamental injusta não deve ser considerada, de fato, uma lei verdadeira, visto que, para ser tida como justa, qualquer lei positiva humana necessita ser derivada da Lei Natural, bem como estar em conformidade com as regras da razão universal e da utilidade humana. Antes mesmo da emergência do pensamento escolástico, Santo Agostinho (354-430) ensinou que “aquilo que não é justo não pode ser lei”.

Tais princípios, dentre outros, foram defendidos pelo franciscano São Bernardino de Siena (1380- 1444), pelo dominicano Santo Antonino de Florença (1389-1459) e, principalmente, pelo jesuíta Juan de Mariana (1536-1624), de acordo com o qual “via de regra, os impostos são o açoite dos povos e o pesadelo dos governantes. Para aqueles, são sempre excessivos, para estes, nunca são excessivos e suficientes”.

Podemos concluir que, mais do que no consentimento parlamentar, é na base moral cristã que devemos buscar limites para a atual tirania tributária brasileira.

Alex Catharino é historiador e pesquisador da Fundação da Liberdade Econômica (FLE).

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