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Outro dia, um aluno veio falar comigo muito chateado; perguntei o motivo, e ele me disse que não tinha gostado de ter sido avaliado, como cliente, pelo motorista do Uber com “apenas” quatro estrelinhas (ele queria cinco, claro). Leio mais a respeito e vejo que a empresa está pensando em banir os clientes menos ranqueados.

Sim, há quem se importe muito com a avaliação dos outros ao seu respeito. Tem lógica, porque somos avaliados desde o ventre das nossas mães: tamanho, crescimento, desenvolvimento do cérebro, batimentos cardíacos etc. A avaliação faz parte das nossas vidas. Quando nascemos, embora sejamos lindos para os olhos dos nossos pais, já existe uma estrutura avaliativa dando seu parecer sobre nós. Alguns usam padrões técnicos; outros, nem tanto. A avaliação nos acompanhará até o último momento das nossas vidas.

E é nessa constante aferição de dados, crescimento, performance e resultados que se fundamenta essa “nova” estrutura econômica da colaboração e do compartilhamento (o modo wiki de produzir e de gerar serviços). Essa estrutura de relações se sustenta principalmente na confiança ou, como a filósofa irlandesa Onora O’Neill prefere chamar, na confidencialidade (trustworthiness ou trustworthy).

A baixa confiança impede o desenvolvimento econômico

Segundo O’Neill, é melhor analisar o fato da confidencialidade dos agentes e instituições do que, precisamente, das questões subjetivas e românticas que a palavra “confiança” pode trazer. Sobre confiança, também temos o aporte do famoso filósofo Francis Fukuyama, autor de um livro intitulado Confiança, as virtudes sociais e a criação da prosperidade.

Fukuyama divide o mundo em dois tipos extremos de países: aqueles que se caracterizam pela confiança entre os seus cidadãos (high trust cultures) e aqueles em que a confiança não é bem uma virtude ou prática (low trust cultures). Para Fukuyama, a baixa confiança impede o desenvolvimento econômico.

De qualquer modo, a confiança faz parte das relações modernas do compartilhamento de ações, modos de produção e de serviços. Em tempos de big data e de algoritmos com inúmeros tipos de informações, ficou mais fácil fazer diversos tipos de mensurações e de avaliações que possam aferir confiabilidade a agentes, produtos ou serviços.

Um negócio sem confiança é sinônimo de fracasso. Para poder vender, comprar, trocar, fazer política econômica é necessário ter reputação. Afinal de contas, como pretender realizar, por exemplo, compras num site chinês sem pelo menos ter algum dado que possa mostrar a confiabilidade do vendedor? Ou, então, como acreditar num determinado plano econômico sem, pelo menos, confiar no proponente? Em todos os casos, tem de existir confiança.

Leia também: Uma política da esperança (artigo de Bernardo Guadalupe, publicado em 21 de junho de 2018)

Leia também: A sociedade de confiança (editorial de 11 de novembro de 2013)

O big data tem ajudado nessa procura de identificar padrões confiáveis de compartilhamento, embora muitas vezes, como em todas as áreas, informações também possam ser manipuladas ou usadas para fins espúrios, como foi o caso envolvendo a empresa Cambridge Analytica e o Facebook. Em 17 de março de 2018, os jornais The New York Times e The Observer reportaram que a Cambridge Analytica usou informações pessoais de 50 milhões de perfis da rede social, obtidas por um pesquisador externo. Ele alegou estar coletando dados para fins acadêmicos. Em resposta, o Facebook baniu a Cambridge Analytica e proibiu a empresa de fazer publicidade em sua plataforma. Resultado: a Cambridge Analytica faliu e o Facebook saiu com sua reputação abalada.

O grande desafio presente é estabelecer padrões confiáveis para os negócios. Felizmente, hoje, as assimetrias de informações diminuíram bastante entre instituições e público, ou empresas e consumidores. Para isso é necessário saber escolher e peneirar boas informações, lutar contra as fake news ou contra o simplismo de achar que sabemos tudo só pelo fato de termos lido as três linhas que aparecem na pesquisa do Google sobre determinado assunto.

Precisamente há 20 anos, o problema era o inverso. A falta de informações era tão grande que, por exemplo, nos anos 80 uma família de classe média tinha somente a enciclopédia Barsa para consultar em casa qualquer saber prévio. Atualmente temos condições democráticas de forjar padrões confiáveis dentro da economia, mas é necessário continuar construindo. E você, já deu uma conferida na sua nota de cliente do Uber?

Hugo Eduardo Meza Pinto, economista e doutor em Integração da América Latina, é professor da Faculdade Estácio Curitiba e associado da empresa de Economia Criativa Amauta.
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