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Contextos e conjunturas raramente são comparáveis; cada circunstância, por menor que seja, é singular; cada momento, particular. Num universo digital, dominado por dispositivos binários, analogias continuam indispensáveis. Sonhada por cientistas e tecnólogos, a homogeneização da humanidade esbarra na persistência das assimetrias.

Os protestos que ora incendeiam o México, provocados pela conjunção das diferentes delinquências, impõem comparações, já que os dois principais vetores delituosos – a corrupção política e o crime organizado – reproduzem-se tanto no gigante ibérico, o único da América do Norte, como aqui, num colosso ainda maior no subcontinente meridional.

O espectro dos cotejos é ilimitado: Brasil e Estados Unidos, embora diferenciados pela geografia, clima, desenvolvimento, etnias, formação religiosa e mentalidades, oferecem paralelismos no tamanho e diversidade do território, modelo político (federativo, presidencialista) e, sobretudo, na circunstância pós-eleitoral. Em 26 de outubro, a presidente Dilma Rousseff foi reeleita depois de um pleito não apenas renhido, mas brutal. Não chegou a comemorar: quase quatro semanas depois, quando a troika que deverá comandar a recuperação da economia parecia definida, adiou-se o anúncio oficial.

Em 4 de novembro, com praticamente uma semana de diferença, o presidente Barack Obama foi batido nas eleições intermediárias do seu segundo mandato. Republicanos passaram a controlar as duas casas do Congresso. O desastre eleitoral foi amplificado pela mídia direitista não apenas dos EUA como do resto do mundo. Obama, diziam seus histéricos detratores, estava condenado a passar dois anos de pijama na Casa Branca à espera do sucessor.

No dia 10, exatos seis dias depois da catástrofe eleitoral, Obama assinou com a China o surpreendente e inacreditável acordo climático que regulará até 2030 a emissão de gases que produzem o efeito estufa. Mais dez dias e o humilhado Obama, considerado definitivamente carta fora do baralho, confronta novamente a direita com a assinatura de um decreto executivo que altera drasticamente o sistema imigratório americano. Grande parte dos imigrantes ilegais, na maioria latinos, até então sujeitos a deportação, estarão habilitados a obter vistos de residência e autorização para trabalhar. Mais dois anos de intensa exposição para validar o decreto e mais 5 milhões de votos para o próximo candidato democrata.

Obama está acabado? A nova Dilma começou a trajetória das mudanças? E Enrique Peña Nieto, o reformista mexicano que em dois anos fez magníficas reformas estruturais, conseguirá manter esquecida a guerra contra o crime organizado iniciada pelo antecessor Felipe Calderón em 2006? Em oito anos, 22 mil pessoas foram liquidadas pelos cartéis do narcotráfico. "É uma macabra estatística", comentou um sociólogo mexicano, "mas o sequestro, assassinato e desaparecimento de 43 futuros professores rurais de Ayotzinapa é um brutal atentado aos direitos humanos". Mandantes do massacre, o prefeito da cidade de Iguala e a sua mulher, candidata à sucessão, têm laços de família e negócios com uma milícia de narcotraficantes.

Abaladas as comemorações pelos 200 anos da primeira constituição independente, a indignação tomou conta do país, aquecida pela revelação de um escândalo envolvendo a compra de uma mansão pela primeira-dama.Um economia passada a limpo, novinha em folha, não pode conviver com um esquema feudal dominado pela insegurança, pela impunidade e pela corrupção política. Peña Nieto apenas esqueceu de governar, cuidar do cidadão.

Exercícios analógicos servem para animar ou desanimar. Sempre úteis.

Alberto Dines é jornalista.

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