• Carregando...

Já houve quem dissesse que povos não vivem em países, senão em moedas. A contrariar tal assertiva, veio por algum tempo o projeto mais ousado e criativo de toda a geopolítica mundial: a integração europeia, com sua ambiciosa proposta de moeda única. Agora, com a crise econômica grega que abala mercados e convulsiona a economia mundial, torna-se patente a grande perplexidade acerca da sobrevivência política do modelo comunitário, consolidado nos prodígios do recente Tratado de Lisboa, em vigor a partir de dezembro de 2009.

O impasse está lançado: o velho continente não poderá defender eficazmente seus interesses e segurar a queda vertiginosa do euro sem sacrificar políticas sociais, direitos trabalhistas e previdenciários. Vale dizer, sacrificar o standard de vida de seus cidadãos, anestesiados de favores públicos, de subsídios estatais, de fundos comunitários e al­­moço grátis. A tarefa não será fácil, em especial para o primeiro-ministro socialista Geor­­ges Papandreou instado a implantar na Gré­­cia receitas monetaristas draconianas, sob a espora contundente do FMI.

O tamanho do dilema europeu é que cortar a carne, racionalizar gastos e dinamizar a economia não é apenas impor sacrifícios esquecidos. Mais que isso, é ainda controlar câmbio e implantar política monetária e fiscal inteligente e eficaz. Inserida na eurozona desde 2001, a Grécia não possui mais moeda própria, nem autoridade monetária nacional, atrelada que está a decisões supranacionais. O Banco Central que ingere sobre a bela Hélade fica em Frankfurt e seu presidente é o francês Jean-Claude Trichet. Por um lado, mudar o euro ao sabor de um único país im­­plica comprometer o sistema monetário co­­mum, com profundas consequências para Ale­­manha e para França. Por outro, não mudar, significa decretar a falência virtual do sócio mediterrâneo, transferindo a colossal dívida de bilhões de euros para o passivo comunitário. Sem contar o imediato periclitar das demais economias comunitárias frágeis, particularmente o grupo designado pelo maldoso acrônimo Pigs, os países mediterrâneos mais Irlanda. Se no atual patamar é difícil encontrar saída para esse labirinto – sempre os gregos – teria sido possível evitar o pro­­blema com planejamento, controle e previsão, o que paradoxalmente foi a marca da fase heroica de implantação do mercado co­­mum. É inconcebível como a super burocracia de Bruxelas deixou-se levar no atual episódio por engodos grosseiros e informes falsos por tanto tempo. Foram mais de dez anos para que se admitisse a entrada da Grécia nas então Comunidades Europeias, à espera de democracia e de contas públicas saudáveis. A reiterada aceitação de números fantasiosos e de estatísticas delirantes sugere agora lamentável déficit de comunicação e de percepção mínima da realidade. Sempre a apregoar a hegemonia das ideias, a mercocracia europeísta deixou de funcionar, imobilizada em sua parafernália de tratados, de instituições e mesmo de cultura comunitária complacente.

O mal já está feito e apesar do aporte apenas paliativo de 110 bilhões de euros, cerca de 10% do PIB brasileiro, fornecidos pela Co­­missão Europeia, por alguns países europeus e pelo FMI, a Europa sai do imbróglio me­­nor do que era e infinitamente aquém do que po­­deria ter sido. Se a vida em comum traz con­­tratempos impensáveis, há também vantagens e é certo que a força de trabalho grega sairá em ordas em direção aos vizinhos estáveis, beneficiada pela livre circulação que se garante à cidadania comunitária. Nem os ingleses, que não quiseram participar da moe­­da comum e que hoje se sentem aliviados na estabilidade de suas libras esterlinas, ficaram livres da invasão de trabalhadores helênicos, em busca de emprego e de salários.

Resta apenas saber o que os eleitores-contribuintes dos 27 países comunitários acharão de tudo isso: há futuro para a União Eu­­ropeia?

Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é professor titular do Instituto Rio Branco e membro consultor do Conselho Federal da OAB

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]