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Bebidas alcoólicas
Imagem ilustrativa.| Foto: Receita Federal/Divulgação

Recém-divulgada pelo IBGE, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar revela que a experimentação de álcool, por meio das mais diversas bebidas alcoólicas, cresceu 19,5% nos alunos do 9º ano do ensino fundamental entre 2012 e 2019. A chance de ocorrer embriaguez em algum momento da vida revelou um aumento de 27% no mesmo período. Esses dados devem ser vistos com preocupação.

Os transtornos do abuso do álcool têm uma característica nefasta, pois como droga socialmente aceita os primeiros sinais da doença podem passar despercebidos. Um modo de transtorno, o beber excessivo esporádico, as “bebedeiras”, traz consequências à saúde assim como o beber excessivo contínuo. Essa condescendência com o seu abuso se consolida ao adoecer evidente, que traz uma série de estigmas, que aumenta o fardo da doença, retarda ou até evita a busca por tratamento, resultando em desfechos desfavoráveis.

Crenças falsas ou presunções relacionadas à responsabilidade individual, que nutrem o estigma público frente ao transtorno do uso do álcool, consideram que o problema é de falta de força de vontade do indivíduo. Elas ignoram que as características do abuso do álcool têm um caráter crônico, de potenciais recaídas, muito similar a outras condições médicas como obesidade, hipertensão ou diabetes. O uso compulsivo de uma substância é causado por alterações cerebrais e sua suscetibilidade é modulada por fatores sociais, genéticos, de desenvolvimento e psiquiátricos, doravante muito além da força de vontade ou de controle do indivíduo.

Doenças graves requerem responsabilidade social para sua abordagem e tratamento inicial, instância deveras prejudicada pelos estigmas previamente explicitados.

Ao internalizar o estigma público essas pessoas reforçam sintomas depressivos e de baixa autoestima, em um modelo de estigma pessoal que mais frequentemente resulta em um mecanismo de defesa de reduzir, de minimizar os próprios problemas com a bebida. Isso reduz a eficácia de um plano terapêutico, já que é notório que o reconhecimento do problema é o que auxilia a busca do tratamento, intervenções mais precoces e melhora da autoestima dessas pessoas.

Os estigmas de ordem estrutural se referem a políticas institucionais ou governamentais, como regras que restringem acesso a tratamentos de pessoas com uso recente de álcool. A própria falta de reconhecimento que o transtorno de abuso do álcool requer acompanhamento psiquiátrico especializado reflete um estigma estrutural, muitas vezes potencializados por atitudes individuais dos profissionais de saúde, que acabam rotulando essas doenças como de menor prestígio ou de “merecimento” de um transplante, por exemplo, ignorando que suas atitudes são particularmente relevantes aos pacientes.

O acesso e abuso do álcool na juventude é preocupante pois o álcool é importante fator de morbimortalidade no Brasil. Segundo a Carga Global de Doenças, na população abaixo de 50 anos, os transtornos relacionados ao uso do álcool representam 2,93% dos anos de vida saudáveis perdidos por morte ou incapacitação, a frente do diabetes (1,76%), doenças isquêmicas do coração (2,43%), acidentes vasculares encefálicos (2,02%) ou uso de outras drogas (1,59%).

Ao contrário da já comentada percepção que a questão é de força de vontade do indivíduo, a responsabilidade individual é inversamente proporcional à gravidade da doença. Doenças graves requerem responsabilidade social para sua abordagem e tratamento inicial, instância deveras prejudicada pelos estigmas previamente explicitados.

O reconhecimento e a internalização do conceito que a sociedade precisa estender a mão para o tratamento das pessoas com o transtorno do abuso do álcool, e gradualmente capacitá-los a exercerem sua responsabilidade individual é necessário. Políticas públicas que visem educação no ensino médio, de treinamento aos profissionais de saúde e de acesso ao tratamento dos pacientes são necessárias, como parte fundamental da redução desses estigmas tão enraizados em nossa sociedade.

Fábio Silveira, médico, é fundador do Instituto para Cuidado do Fígado e membro da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.

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