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Meta central, bandas de tolerância e transparência. Não estamos falando do Banco Central, mas sim da proposta do ministro Nelson Barbosa para conduzir a política fiscal a ser submetida ao Congresso Nacional para aprovação. Na prática, o sistema funcionaria com uma meta definida para determinando ano fiscal e, caso o governo não obtenha as receitas suficientes para cumprir tal meta, chega-se a um resultado pior, mas legalmente dentro de bandas de tolerância.

A embromação proposta pela Fazenda é uma tentativa de restabelecer alguma direção, já que o Brasil está sem rumo fiscal desde 2009 – nos seis anos posteriores, cumprimos a meta fiscal somente em 2011, mesmo com reduções sistemáticas do resultado primário a ser perseguido (de 4,75% do PIB em 2008 para 1,2% em 2015). Assim, em vez de promover um verdadeiro ajuste fiscal, a proposta visa somente a dar um aspecto de legalidade às práticas fiscais que deterioram o endividamento brasileiro.

Um pequeno exemplo para o ano vigente: a previsão dos agentes econômicos é de que o resultado primário fique na casa de -2,0% do PIB em 2016. Caso a economia (PIB) siga as projeções e despenque 4% neste ano, a receita do governo será significativamente menor que a estimada no orçamento, impedindo qualquer chance de um resultado fiscal minimamente próximo ao 0,5% estabelecido em lei. Entretanto, com a nova proposta, legalmente o governo terá cumprido a meta e adiaria para o ano seguinte o ajuste, quando as receitas se recuperarem.

A nova proposta da Fazenda não garante nenhuma regra firme para que a dívida brasileira seja reduzida

Parece bonito e sensato, já que o Brasil terá a chance de arrumar a casa no futuro mais distante, evitando um ajuste fiscal severo em ano de recessão. Porém, a ideia esbarra no problema que os economistas gostam de chamar de “inconsistência temporal”. Esse nome feio nada mais é do que se comprometer com um resultado e mudar de ideia no meio do caminho a seu bel-prazer, já que não há um controle efetivo das ações para chegar ao objetivo. Se com Lei de Responsabilidade Fiscal e meta sem banda o governo não entregava o superávit prometido, caindo em nossa inconsistência temporal, o que esperar de um regime que permite um resultado mais frouxo? Não é difícil prever que ficaríamos longe do centro da meta e o esforço para ajustar as contas seria nulo. Qualquer semelhança com a atuação do Banco Central não é mera coincidência.

Contudo, o maior problema da proposta não é o nosso economês “inconsistência temporal” e nem o fato de cumprir ou não uma meta qualquer, mas sim os efeitos que surgem com o comportamento irresponsável no manejo das contas públicas, que contariam com o aval da legislação. Se chegarmos à banda inferior da meta ano após ano com desculpas permitidas pela lei, seguiremos nossa trajetória insustentável de dívida pública e nos gabaremos de termos atingido o objetivo estabelecido.

Qualquer regime de metas, fiscal ou de inflação, é construído com base em regras firmes e credibilidade adquirida ao longo do tempo, visando um objetivo maior: redução da dívida pública ou a busca por inflação civilizada. Se um alvo é estabelecido, é preciso garantir os meios necessários para atingi-lo. A nova proposta da Fazenda não garante nenhuma regra firme para que a dívida brasileira seja reduzida e ainda cria um mecanismo para minar a credibilidade do governo. Se bem que credibilidade... essa já foi perdida faz tempo.

Leonardo Palhuca é mestre em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Victor Cândido é economista pela Universidade Federal de Viçosa. Ambos são editores do site Terraço Econômico .
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