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Em recente artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, o escritor e jornalista Gilberto de Mello Kujawski, armado de uma lógica afiada e de um bom senso cortante, desnudou o laicismo intolerante que se oculta em certo proselitismo do Estado laico.

Kujawski afirma, com razão, "que laico é o Estado, não o país, a nação, a sociedade brasileira. A laicidade estatal não se estende por lei ou decreto a toda a sociedade. Pensar o contrário, e admitir que o Estado absorve em si a sociedade, significa incidir em cheio no totalitarismo." Separação entre Igreja Estado quer dizer independência. O envolvimento de setores da Igreja na luta contra a privatização da Vale do Rio Doce não tem sentido. Não há nada na Doutrina Social da Igreja que se oponha às privatizações. Ao mesmo tempo, tentar expulsar a Igreja do debate em defesa da vida é arbítrio laicista. A independência é um bem para a Igreja e para o Estado. Mas não significa ruptura e, muito menos, virar as costas para o Brasil real.

Como já escrevi neste espaço opinativo, o laicismo-militante atual é uma "ideologia", ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de idéias, fechado em si mesmo –, que pretende ser a "única verdade" racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, no ensino etc. Por outras palavras, o laicismo é um dogmatismo secular, ideologicamente totalitário e fechado em sua "verdade única", comparável às demais ideologias totalitárias, como o nazismo e o comunismo. Tal como as políticas nascidas dessas ideologias abomináveis, o laicismo execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus "dogmas", e não hesita em mobilizar a "Inquisição" de setores da mídia, para achincalhar – sem o menor respeito pelo diálogo – as idéias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo. Alegará que são interferências do pensamento religioso ou de igrejas, quando um democrata deveria pensar apenas que são outros modos de pensar de outros cidadãos, que têm tantos direitos como eles; e sem reparar que o seu laicismo-militante, dogmático, já é uma pseudo-religião materialista e secular, como o foram o comunismo e o nazismo.

Pratica-se, então, o terrorismo ideológico, pelo sistema de atacar os que, no exercício do seu direito democrático, pensam e opinam de modo diferente do deles, acusando-os de ser – só por opinar de outra maneira – intransigentes, tirânicos, ditatoriais (três características das quais o laicismo, na realidade, parece querer a exclusividade).

A humanidade, imaginam os defensores de uma cultura agnóstica e laicista, seria mais civilizada e feliz num mundo liberto das amarras espirituais. Será? Penso que não. Na verdade, a história das utopias da razão está manchada de sangue, terror e privação. Freqüentemente, salienta Oscar Wilde com boa dose de argúcia, "as melhores intenções produzem as piores obras". A Revolução Francesa, por exemplo, não gerou apenas um magnífico ideário. A utopia de 1789, em nome da "igualdade", da "fraternidade" e da "liberdade", desembocou no terror da guilhotina. A 2.ª Guerra Mundial não foi acionada por gatilhos religiosos. O holocausto do povo judeu, fruto direto da insanidade de Hitler, teve alguns de seus pré-requisitos na filosofia da morte de Deus. Nietzsche, o orgulhoso idealizador do super-homem, está na raiz imediata dos campos de concentração e de extermínio programado.

É preciso, sem dúvida, desenvolver o senso crítico contra os desvios da intolerância, do fanatismo e de certas manifestações de estelionato religioso tão freqüentes nos dias que correm. Mas não ocultemos os estragos causados pelo fundamentalismo racionalista. A isenção é o outro nome da honestidade intelectual. A busca da verdade não enfraquece o afã de liberdade. Ao contrário, é sua mola propulsora, pois a autêntica liberdade é a adesão voluntária à verdade que se impõe a uma inteligência lúcida, aberta e não condicionada por preconceitos ou interesses.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.difranco@ceu.org.br

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