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Passado o período necessário para que qualquer acontecimento possa ser analisado com mais racionalidade, é permitido, agora, realizar uma pequena leitura sobre as consequências do trágico evento que ocorreu em Oruro, na Bolívia. Era evidente que a Conmebol iria punir o Corinthians de imediato. Afinal, para qualquer instituição política, símbolos são mais importantes que atos. Assim como era previsível também que, passado o ápice de atenção à tragédia nos meios de comunicação e nas rodas de discussão, ela reduziria a pena, como o fez.

A Conmebol, para todos os efeitos, fez o que se esperava e lavou as suas mãos. Ninguém poderá chamá-la de omissa, o que pra ela já é bom o suficiente, principalmente se considerarmos o seu histórico de punições. Mas, se ficar só nisso, é também evidente que não vai resolver nada e que as chances de um acidente semelhante voltar a acontecer permanecem exatamente iguais às chances que existiam antes de o acidente ter acontecido.

Ocorre que nós temos uma certa predileção por tratar dos acidentes que acontecem, mas nunca daqueles que ficam no quase. Lembro de ler um artigo, um tempo atrás, que questionava se, em vez de avaliarmos o nível de insegurança de um determinado lugar pela taxa de homicídios, não seria melhor mensurá-lo pelas tentativas de assassinato. E é mais ou menos por isso que a punição não vai resolver nada, a não ser que seja acompanhada de uma mudança mais radical de postura. O problema não é apenas quando um homicídio ocorre de fato, mas já quando se tenta cometê-lo. Muitas vezes, o que separa a tentativa do fato consumado é apenas uma mera casualidade.

A morte na Bolívia foi uma trágica combinação de probabilidades que poderia ter acontecido em qualquer outro jogo, com qualquer outro time. Quantas vezes é possível ver e ouvir rojões sendo estourados dentro de estádios em jogos do Brasil, da Argentina e da Itália, por exemplo? Quantas pessoas já se acidentaram e quase morreram por causa disso? E por outros eventos igualmente arriscados? E serão essas "quase mortes" menos passíveis de atenção que a morte em si?

Não existe solução simples, muito menos rápida para diminuir o risco de acidentes como esse em partidas de futebol na América do Sul. Talvez seja possível dizer que, dentro do cenário em que nos encontramos, sequer exista uma solução para esse problema. O que não se pode tolerar é que uma morte seja tratada como fato isolado e que a mera punição de portões fechados seja apontada como a solução definitiva para o problema.

No estado em que a organização social, política e esportiva se encontra, é certo que a América do Sul não tem condições de promover a reestruturação necessária para evitar que esse tipo de tragédia volte a acontecer, ou pelo menos que as chances sejam diminuídas para níveis improbabilísticos. O problema é muito amplo. Não passa só pelo atirador do rojão. Passa pelas torcidas, pelos clubes, pelas federações, pelas polícias, pelos poderes públicos e pelas organizações privadas. E esse sistema é praticamente engessado e não vai mudar tão cedo.

Ou seja, mesmo com estádios fechados, se é que permanecerão assim, é muito provável que esse tipo de acidente volte a acontecer por aqui mais cedo ou mais tarde. Resta torcer para que não seja com o seu time. Resta torcer para que não seja com você.

Oliver Seitz é Ph.D. em Indústria do Futebol pela Universidade de Liverpool (Inglaterra).

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