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A muitos atos de polícia ou de fiscalização administrativa corresponde uma proposta ou consumação de um ato de corrupção por parte do particular interessado em se livrar da multa

Foi aprovado no Congresso Nacional o projeto de lei que impõe restrições à candidatura de pessoas para cargos eletivos. São importantes inovações, como a vedação à candidatura de pessoas condenadas por crime ou atos de improbidade. Trata-se de um importante avanço em relação ao regime anterior. Contudo, as novas regras podem produzir efeitos práticos muito reduzidos em relação àquilo que pretendia a sociedade ao encaminhar o projeto de iniciativa popular.

O desejo do povo é o de que um político corrupto, venal, improbo e desleal a seus compromissos públicos seja coberto de piche e penas, açoitado, de preferência em praça pública, e enviado sem passagem de volta para o reduto sombrio de onde veio. A satisfação desse desejo, contudo, encontra obstáculo nas regras importantes da civilização externadas na Constituição Federal. No que diz respeito à nova lei, regras que pretendem assegurar de forma legítima o princípio constitucional da presunção da inocência podem tornar ineficaz o seu propósito fundamental. Por exemplo, a exigência de que a condenação seja feita por um órgão colegiado é necessária, de outra sorte, um po­­lítico ajuizaria ações contra o outro e não teríamos mais políticos aptos a concorrer. Porém, sabe-se que uma condenação judicial por um órgão colegiado pode ocorrer somente após décadas, possibilitando ao político processado iniciar e cumprir vários mandatos antes da condenação. Lembre-se, ainda, que a nova lei trata de apenas um pequeno e tópico aspecto do complexo sistema de corrupção implantado culturalmente no país. A ONG Transparência Internacional recentemente divulgou um ranking posicionando o Brasil como o 75.º mais corrupto entre 180 países – convenha-se que não é uma situação honrada. A corrupção não é prerrogativa do Poder Legislativo e dos políticos em geral. Está disseminada em todos os setores da sociedade, inclusive na sociedade civil. Pouco se cogita, por exemplo, da exposição e punição dos empresários e empresas que financiam ilegalmente as campanhas políticas. Certos mistérios exigem ser desvelados, como a razão pela qual uma determinada empresa privada com estreitos laços com um determinado político ou partido durante a campanha eleitoral, logra se sagrar vencedora das licitações destinadas a contratações vultosas quando o grupo assume o governo – o que é recorrente no país. Há outros aspectos dignos de nota e curiosos, como a compreensão que tem alguns sobre os próprios atos de corrupção. Muitas pessoas entendem justificável e necessário – quem já não ouviu esse discurso? – para atender a interesses econômicos privados, o pagamento de propinas. Assim, um empresário que firma listas e manifestações contra a corrupção paga propina para que um alvará ou licença ambiental sejam concedidos, embora negados porque o empreendimento não se adequa às normas vigentes – quando o correto seria alterar os projetos ou o próprio empreendimento. A muitos atos de polícia ou de fiscalização administrativa corresponde uma proposta ou consumação de um ato de corrupção por parte do particular interessado em se livrar da multa. Não há corrupção sem a participação daquele que se submete a ela, ou até a incentiva. A corrupção e os atos de improbidade, como qualquer patologia, carecem de tratamento adequado. O sistema jurídico já oferece normas suficientes para a punição daqueles envolvidos em atos de corrupção, sejam eles políticos, servidores públicos, empresários ou qualquer pessoa. O elemento central é a efetividade da sanção. A certeza de que a prática de atos de corrupção será rigorosamente punida é um dos fatores mais importantes para coibi-la. E a sanção deve incluir rigorosas penas com conteúdo pecuniário – uma vez que a tendência contemporânea é substituir penas privativas de liberdade por penas alternativas como prestação de serviços comunitários, o que, convenha-se, é necessário, mas não assusta. Para reduzir a prática de atos de corrupção ativa ou passiva, atos de improbidade administrativa, de apropriação indevida de dinheiro público e congêneres, é essencial que o autor tenha a certeza de que será punido, inclusive pela condenação moral por parte da sociedade. Necessária também uma mudança cultural, o que demanda consciência pública e exercício de cidadania que leve as pessoas a considerar o interesse público para além do diâmetro do próprio umbigo.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do Estado, mestre e professor do UniCuritiba.

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