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Talvez esta seja a canção mais profunda do Caetano Veloso. Pelo menos é a que mais me toca, por todo o seu simbolismo. Sobretudo na figura do tempo que "brinca ao redor do caminho do menino". Ela sempre me vem à cabeça a cada passagem de ano. E particularmente neste ano de 2014 o Brasil foi palco de diversos acontecimentos que vão marcar para sempre sua história.

Se o "tempo não para, e mesmo assim ele continua sem envelhecer", este ano foi intenso em sua trajetória. Os seus acontecimentos, que pareciam isolados, na realidade podem ter uma causa, um senso e um destino comum.

Eleições, Copa do Mundo, mensalão, petrolão, protestos... Que país é este e para onde nós vamos? Um amigo argentino, lamentando-se daquilo que vem ocorrendo com os nossos vizinhos, comparou o Brasil a um enorme transatlântico, que segue a sua rota, apesar de todas as dificuldades impostas pela irresponsabilidade e falta de compromisso moral de tantos na nossa classe política.

A ideologia do PT foi vencida pelo pragmatismo. Direita e esquerda quase não existem mais por aqui. Transfiguraram-se. Confundiram-se. E, no fim, faltam referências políticas. No mensalão e no petrolão, o "rouba, mas faz" do malufismo clássico foi substituído pelo novo "faz para roubar". Ambos traduzem com a mesma perversidade a ausência de compromisso com a coisa pública. E muitos brasileiros indignados saíram às ruas, como se uma "força estranha os levasse a cantar" contra tudo aquilo que estava acontecendo. Protestos legítimos de um povo heroico, mesclados algumas vezes com uma violência injustificada, em um brado retumbante.

2014 foi realmente intenso...

Na Copa do Mundo, representante maior do ópio nosso de cada dia, fomos derrotados em nossa própria casa. Uma vergonha futebolística maior que a de 50. Lá, fruto do acaso; aqui, consequência do descaso. Orgulho ferido? A tristeza de agora, felizmente, foi menor. Mostra que não somos mais a "pátria de chuteiras", de um tempo em que o futebol era a nossa única identidade nacional. Hoje queremos ser muito mais que isso.

Mais médicos para um país onde a saúde pública está doente. Alguma coisa é melhor mesmo do que nada? Uma injustiça justifica outra? Os menos favorecidos, sem acesso aos médicos brasileiros, agora recebem os cuidados daqueles vindos de Cuba, sem diploma validado, e ainda sustentando uma ditadura. A validação do diploma está presente na grande maioria dos países. Ela serve não para preservar os médicos, mas para dar segurança à população de que, ao ser atendida por um profissional formado em outro país, ela esteja recebendo o mesmo tratamento que receberia de um profissional formado aqui. A saúde, assim, ainda continua doente.

E as eleições? Ah, as eleições... Das mudanças desejadas e necessárias, ficamos com o "mais do mesmo" neste ano. Ou seria "um novo governo com novas ideias", como dizia o João Santana, gênio marqueteiro da presidente? Reeleição legítima em um país democrático, mas dividido. Tristeza de uns, alívio de outros. Eu, por outro lado, torço pelo marqueteiro. Precisamos mesmo é de novas ideias.

Mas existe algo de novo no horizonte. Levy é nome de profeta; Guido, de artista. Esperamos do profeta a organização e a seriedade necessárias para a retomada do crescimento econômico. Ele é a base para reduzirmos as desigualdades e melhorarmos a qualidade de vida da nossa população. Algo que o artista, na sua criatividade com os números, não conseguiu, e que a timoneira deste enorme transatlântico negligenciou em seu primeiro mandato.

Mesmo assim, "o sol ainda briha na estrada", não é, Caetano? O Brasil está melhor depois de 2014. Amadurecemos e nossas instituições estão mais fortes. Apesar de todas as dificuldades, essa "força estranha" nos faz sermos um povo alegre e que acolhe a todos. Afinal, somos movidos pela esperança. Não a esperança que espera, mas a que age e que transforma o amanhã.

Bom 2015 a todos!

Cicero Urban, médico oncologista e mastologista, é professor de Bioética e de Metodologia Científica na Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé em Curitiba.

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