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Logo da Ford.
Logo da Ford.| Foto: Mandel Ngan / AFP

O fechamento das fábricas da Ford no Brasil é um fato, digamos, estranho de se entender. Sabe-se que existem fatores comerciais negativos para a empresa como sua baixa competitividade internacional, sua perda de market share e, principalmente, problemas de produtividade e com a burocracia no Brasil. Contudo, o que não se esperava era que, quando um empreendimento privado decidiu fechar, a burocracia estatal fosse de tal proporção que já começa a espantar investidores, com medo do que possa acontecer com seus negócios no Brasil caso haja um choque de adversidades.

Além das greves dos sindicatos contra o fechamento da fábrica, o Ministério Público Federal começou um processo contra a Ford, tendo em vista os danos causados à economia popular, e agora temos conhecimento de duas decisões da Justiça do Trabalho contra a demissão dos trabalhadores.

Decisão reduzida a termo da juíza da Comarca do Trabalho da cidade de Taubaté (SP): “Entendo que as empresas não têm que justificar suas decisões ao demitir um funcionário sem justa causa, desde que lhe pague seus direitos; isso faz parte de seu direito potestativo quando o trabalhador não detém estabilidade. Também não questiono o direito da empresa de agir ou fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, esse é o Princípio da Legalidade. Ressalto que a Magistrada segue o entendimento de que o Estado deve interferir o mínimo possível na gerência das empresas e, diante de tais conceitos, não é possível obrigar a empresa a continuar suas atividades ou a manter um empregado não estável em seu quadro de funcionários, se assim ela, a empresa, não desejar. Contudo, o caso dos autos não envolve a dispensa sem justa causa de um único trabalhador, em que o impacto é sentido por uma família apenas. A dimensão da empresa, o número de empregos diretos e indiretos atingidos e o impacto social para o país não comportam uma solução simplista para o caso em questão”.

Ou seja, na prática, o total fechamento da fábrica não justifica a demissão de todos os trabalhadores. Neste sentido, a análise inicial da magistrada torna-se sem sentido, pois, além do óbvio impacto social incorrido, o que se pode fazer por essas pessoas? A conjuntura nacional e internacional está demitindo centenas de milhares de funcionários e nem por isso existem ordens judiciais para “segurar” demissões em centenas de empresas no Brasil. Neste caso, há um notório abuso das prerrogativas do Estado em uma relação privada. Eu até entenderia esse argumento se a fábrica continuasse no Brasil e se ocorresse um desligamento em massa; contudo, estamos falando do fechamento do empreendimento; ou seja, não haverá mais o que esses trabalhadores fazerem naquele local.

Existe ainda o questionamento de que, dados os financiamentos do BNDES, há contratualmente a necessidade de gerar empregos no país. Até então tudo bem, mas isso porque existe uma situação de lucratividade da empresa no Brasil. Não se pode fomentar o emprego em situação de prejuízo. A conta sempre vem, não existe “gerar empregos” sem lucros em um país capitalista.

Dentro desse contexto, não há dúvidas de que existirão custos enormes para a saída da fábrica da Ford do Brasil. Estamos falando de ressarcimento de concessionárias, fornecedores com pedidos estabelecidos, funcionários, terceirizados e muito provavelmente multas trabalhistas e processos originados pelo Ministério Público. Talvez, para as pessoas acostumadas à situação brasileira, possamos chamar isso de “normal” e afirmar que está dentro do “custo do negócio”, mas isso nada tem de normal quando analisamos os países mais desenvolvidos.

Em um país efetivamente liberal, onde as relações entre patrões e empregados são reguladas pelo mercado e pela existência ou não de condições de lucratividade, seria impensável que a Justiça impedisse a demissão de funcionários. O primeiro efeito prático é gerar medo não apenas nesse empreendedor, mas em todos, de que se alguém mais montar uma fábrica poderá passar pela mesma situação se tiver de fechar as portas em um momento futuro. O segundo efeito é simplesmente afastar novos investidores, impedindo o surgimento de mais empregos.

Não estou aqui pregando o fim da Justiça do Trabalho, pois efetivamente existem situações em que ela é necessária, principalmente quando analisarmos o trabalho análogo ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e a outras situações bem cruéis que ainda existem no Brasil. Entretanto, o que critico aqui é o elevado grau de interferência em relações privadas, que infelizmente deixam de existir por uma questão de mercado, uma falência da subsidiária local de produção, algo que está passível de ocorrer com todas as fábricas de multinacionais no Brasil.

Neste contexto, fica a seguinte indagação: como vamos atrair mais investidores ao Brasil com esse exemplo caótico demonstrado no caso da Ford? A alocação de recursos produtivos se dá, em parte, pela forma como se consegue instalar uma fábrica e como se deve proceder para fechá-la. O Brasil já tinha fama de ser um país “complicado” para abrir um negócio estrangeiro; agora, ganha a fama de ser pior ainda para fechar. Neste contexto complexo e indescritível para o investidor estrangeiro, nosso nível de desemprego dificilmente irá diminuir nos próximos anos. Haja sofrimento para o trabalhador brasileiro!

Igor Macedo de Lucena, economista e empresário, é doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.

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